MULTIDÕES IMÓVEIS & MAIS

MULTIDÕES IMÓVEIS I (22 FEV 12)

Os grupos tendem à compacidade,

que mais não seja por mútua proteção;

mas nem sempre isso se aplica à multidão,

que mais reage com irracionalidade.

O interessante são grupinhos, na verdade

de amigas a esperar a procissão:

dispõem-se em círculos em que a nádegas estão

voltadas para fora em inermidade...

Muito mais vulneráveis aos olhares,

em sua sugestão de intimidade,

nessa mistura com impersonalidade,

despertando os pensamentos mais vulgares...

e até mesmo professoras vi assim,

mostrando as costas, sem nem pensar em mim!

MULTIDÕES IMÓVEIS II

Quando era criança, eu via tais grupinhos

de professoras, alegremente a fofocar,

sem aos alunos atenção qualquer lhes dar...

Era menino e já estranhava esses bolinhos

de “educadoras”, formando íntimos ninhos...

Por proteção, não era mais certo o encarar?

Não deviam estar de frente, ao ajudar?

Mas só as nádegas mostravam aos pequeninhos...

Nunca entendi a razão desse proceder,

porque em festas se comportavam diferente,

numa feroz competição ardente,

suas vestimentas exibindo com prazer

e conversando, seu olhar a reluzir,

com os homens que buscavam seduzir...

MULTIDÕES IMÓVEIS III

E que dizer de uma liquidação,

em que se portam igual a uma torrente,

correndo às roupas expostas, em demente

e mais ardente e feroz competição...

Chega a dar medo a feminina multidão:

lembro de Orfeu, despedaçado inteiramente

por um bando de mulheres, inclemente...

Evito mesmo os lugares aonde vão!...

Não que não goste de mulheres, ao contrário!

Mas é melhor um alvo individual

ou pequena multidão mais comedida,

que se disponha a escutar o atrabiliário

conferencista, em cortesia natural,

outra dinâmica de grupo assim nutrida...

MULTIDÕES IMÓVEIS IV

Pois de fato, nunca fui de multidões:

de preferência, fui o lobo solitário,

a produzir um trabalho multifário,

por que não peço e não me dão perdões...

Mas em cada mulher, há formações

de multidões internas, plurivário

o seu humor, nem sempre solidário,

mas caprichoso em mil expectações...

Busca constante de individual afirmação,

ao mesmo tempo que aos modismos vão,

seguindo as mimas aprovadas pela classe,

em que o fenômeno mais estranho dá-se,

quando se deixam levar por gosto alheio,

se um costureiro afirmou não ser mais feio!

ARANHAS EM ÂMBAR I (23 FEV 12)

A Natureza esculpe, com certeza,

as obras mais perfeitas da escultura.

Quem tem olhos para ver, percebe em pura

realidade a transcendência da beleza...

Nas vastidões estéreis há pureza,

seja em desertos de areia ou nessa agrura

formada por penhasco e rocha dura:

ali se encontra o pincel de sua grandeza.

A aparência é imutável, mas de fato,

em constante mutação, lenta e segura.

Não é o caudal somente ou a tempestade

que erodem as montanhas... O regato

e o zéfiro macio, em sua doçura,

também desgastam as pedras, à vontade...

ARANHAS EM ÂMBAR II

Mas nem tudo se resume a essa erosão:

viram planície os sedimentos da montanha

e com sementes é o vento que as amanha

e logo surge da relva a brotação...

Também em atos de transformação,

cada árvore a maior crescer se assanha;

surge a floresta a limitar campanha:

parte à conquista do pago e da região.

Mas surge então o fogo e tudo queima,

deixando os campos negros outra vez;

e ainda que pereçam os animais,

a vida verde, em arrebatada teima,

logo recobre das cinzas a nudez,

com a panóplia dos arco-íris estivais.

ARANHAS EM ÂMBAR III

Se pode então dizer que a Natureza

é, em todos seus momentos, transitória,

no intercâmbio das moléculas sua história;

tudo que vive se transmuda, com certeza.

E vemos essa mostra de incerteza

na própria humana duração, inglória:

nasce o bebê em saúde peremptória,

torna-se adulto e cresce em robusteza,

mas então se vai aos poucos desgastando,

novamente a demonstrar transformação:

vem a velhice, com todas suas mazelas

e a Natureza o esculpe, burilando

uma parte e depois outra, sem paixão,

até expor-lhe inteiramente suas costelas...

ARANHAS EM ÂMBAR IV

Talvez por isso seja surpreendente

encontrar envolta em âmbar uma aranha

ou outro inseto qualquer, em jóia estranha,

adquirindo esse caráter permanente.

Há quantos séculos foi o animal vivente!

Alcançou súbito fim nessa artimanha,

nesse dourado cetim que inteiro o banha

e nô-lo expõe, intocado, inteiramente!

Bem mais perfeito que as múmias desse Egito

ou as ressequidas múmias peruanas,

a conservar-se completo no exterior,

como se pronto ao derradeiro grito

e quebrado seu âmbar, doidivanas,

já se lançasse a outra caçada, com ardor!

ARANHAS EM ÂMBAR V

Ela tem no seu fim o seu começo,

que há muito já estaria desmanchada

e em camafeu está agora conservada,

bem mais perfeita, afinal, em seu tropeço,

do que uma foto antiga que hoje meço,

em medalhão dourado preservada

ou miniatura de gravura delicada,

que preservar por bem mais tempo eu peço.

Se essa aranha vivesse em plenitude,

teria sido há muito devorada

pelos micro-organismos que a rodeavam,

mas cortada de permeio à juventude,

foi assim por vinte séculos guardada,

berloque tétrico para aqueles que a mostravam.

ARANHAS EM ÂMBAR VI

Assim é amor também: se satisfeito,

bem lentamente, aos poucos, se corrompe.

A Natureza, bem devagar, irrompe

para acentuar o seu menor defeito,

até que se contempla, sobre o leito,

na primavera, ou quando o inverno rompe,

e nos sentimos, de repente, compe-

lidos a avaliar os restolhos do perfeito...

Contudo, se esse amor não se cumpriu,

é preservado no âmbar da saudade

e permanece inteiramente puro,

que nesse escrínio da alma se esculpiu

o amor perpétuo, morto, na verdade,

mas incorrupto enquanto houver futuro...

ENQUETE

Duvidando das pesquisas de opinião,

um rapaz amigo meu telefonou

para 1.353 pessoas e indagou

em quem iriam votar nesta eleição.

Como tinha pouco tempo, foi então

entre as duas da manhã que ele discou

até as quatro mais ou menos e apresentou

sua pergunta com toda a educação.

E foi unânime a resposta recebida

de todos que acordou nesse momento,

para que tal resposta assim se exponha...

Entre bocejos, a mensagem respondida

foi por todos, com o mesmo sentimento:

"Vou votar na tua mãe, seu sem-vergonha!"

NINGUÉM É CACHORRO NA REDE

(agradecimentos a Paiva e Suely)

Ninguém é cachorro na Internet, diz

um ditado que circula em toda parte...

Por trás das telas, esconde-se, destarte,

o feio e o sujo a quem ninguém mais quis...

A tela se apresenta em branco giz:

não há qualquer palavra que descarte:

cada um pode mentir o que se farte,

no crescimento total de seu nariz!...

Quem conseguir uma conta em provedor

finge ser rico, mesmo sendo pobre:

manda o retrato de um outro e fica belo!

É o que diz Drácula, no seu computador:

"Sou alto, forte, tenho sangue nobre,

dentes perfeitos e moro num castelo!...

O GOLE DE BAIXO

Quando o padre encontrou o Belarmino,

viu que trazia uma garrafa da branquinha:

"Mas o que tem aí, não é caninha?..."

"É, Seu Padre, vou levar pro Alexandrino..."

"E você não bebe nada, seu cretino?

Não tinha me jurado que ia parar...?"

"Seu Padre, eu juro que só vou tomar

um golinho, o resto é pro Compadre Dino...

Eu já tomei de canha o que me farte!

O meu vício se foi, levou sumiço..."

"Você acha que me engana, seu bobinho?

Pois então derrame fora essa sua parte!"

"Ai, Seu Padre, eu não posso fazer isso:

É que o meu gole é aquele do fundinho..."

CERTEZA

Havia um fulano muito mentiroso

que quis um dia converter-se à religião.

Disse o pastor que em toda situação

dizer mentiras era um pecado odioso.

"Quem a verdade fala, é poderoso:

ele é escutado sem contestação,

todos sabem ser sincero em sua opinião,

é respeitado, sem ser presunçoso;

mas quem costuma mentir, não tem valor:

não acreditam em sua honestidade,

em amizades e negócios só se enleia

e depois, vai para o inferno, em pena e dor!"

"Mas eu não posso, pastor, falar a verdade,

que, se eu falar, irei para a cadeia!..."

REFEIÇÃO

No restaurante das Nações Unidas,

arrastando um negrinho pela mão,

chegou o embaixador de uma nação,

dessas no meio da África perdidas.

Disse o gerente, em frases decididas:

"Senhor Embaixador, peço perdão,

só os diplomatas aqui fazem refeição,

porém crianças não são permitidas.

É necessário levar seu convidado

para o berçário ao lado, meu senhor

ou Sua Excelência eu atender não posso!"

"Quero comer como estou acostumado:

entregue este ao cozinheiro, por favor:

o garotinho aqui é o meu almoço!..."

MOLDADURAS I (2009)

Até que ponto podes ter certeza

de que todo esse passado que recordas

realmente ocorreu? Ou, se concordas,

com uma fímbria de ti, uma esperteza

que se passa por real e cuja empresa

é a de substituir outro passado

que não te agrada? Um tempo descuidado

em que essa mônada não estava acesa,

mas embaçada, desvão de uma memória,

apenas advertida, a qual queremos

que saia à luz, para a outra dominar?

Assim se passa toda a nossa história:

lembramos muito mais o que perdemos,

que nosso eu verdadeiro e singular.

MOLDADURAS II

De tanto repetirmos tal mentira,

até para nós mesmos se reveste

de foros de verdade; e dentro deste

cenário enganador que nos revira,

passamos a viver caracteres

diversos dos antigos que já fomos:

convencemos a nós próprios; e nos pomos

como um exemplo real, estranhos seres

que impomos lentamente aos circunstantes,

depois de superpostos a nós mesmos:

somos assim, porque assim modificamos

o que fomos um dia; e delirantes

fantasmas nos tornamos, ensimesmos,

com que o mundo e nossa mente dominamos.

MOLDADURAS III

Eu buscarei apenas, neste instante,

desencadear meus novos avatares,

se algum de fato corresponde a esgares

da personalidade de outro avante.

Eu nem mais sei qual a mônada constante

ou qual portal me trouxe a estes buscares.

Não foi a sorte apenas, mas estares,

que transfomaram momento enregelante,

em que deixei atrás meu velho plano.

Foi minha alma que em novo corpo entrou

ou outra alma que de mim se apoderou?

Serei ainda, ao fim de tudo, insano?

Este mundo de outrem conquistei

ou tudo isso é ilusão e só sonhei?

MOLDADURAS IV

Não sei se já ouviste alguém falar

em mundos paralelos? Muito antiga

é essa noção de complicada intriga:

foram sumérios primeiro a registrar.

Depois, passou a outros povos: sussurrar,

nas longas noites que sua tenda abriga,

até os babilônios... e que assim prossiga,

pelo Talmude judeu a repassar:

"Tudo que o homem pode imaginar,

Deus já criou, em Sua sabedoria."

Assim, há muitos mundos, fora o nosso.

E chegamos a eles, num cruzar

de portal místico, pleno de energia,

sem perceber geralmente seu esboço.

MOLDADURAS V

Alguns destes mil mundos paralelos

diferem deste nosso por detalhes:

para reconhecê-los, talvez falhes,

por diferentes que sejam seus anelos.

Uns são horrendos; outros, muito belos

e, quando os visitares, não espalhes

que de outro mundo vens; e nem os malhes,

para voltares a anteriores zelos...

Pois te dirão que és louca: te conhecem

desde criança: moraste sempre ali

(ou, pelo menos, seus habitantes pensam).

Se de outros mundos vieram, já se esquecem:

e acreditam existir só este aqui,

em que todas as verdades se condensam.

MOLDADURAS VI

Há quem consiga, deliberadamente,

transferir-se para mundo mais ideal;

outros escorrem, no fundo de um portal,

sem perceber haver algo diferente.

Mas existe questão mais surpreendente,

sem que se torne assim menos real:

pois, voluntária ou não, essa fatal

travessia para um mundo é permanente.

É certo que podemos ir em frente,

mas sem voltarmos ao original:

este é um progresso que não volta atrás...

A vida se transfere, inteiramente,

para esse novo mundo marginal,

enquanto o ambiente antigo se desfaz.

MOLDADURAS VII

Contudo, na maioria desses mundos,

outros de nós existem, semelhantes:

se ingressarmos seus domínios, triunfantes,

eles terão, no equilíbrio dos profundos

ciclos astrais, de transpor-se pelos fundos,

não voluntariamente, como dantes,

provavelmente, até recalcitrantes,

para o mundo que deixamos, iracundos.

"Nada se perde, tudo se transforma":

Na multidão das trocas esperadas,

é preciso que um a outro se consagre,

na natureza esquiva dessa norma:

só assim ganhamos as bênçãos aneladas,

pois é essa a natureza do milagre.

MOLDADURAS VIII

Quando pedimos, em total convicção,

seja que Deus atenda à nossa prece

ou quer cruzemos a rede que se tece,

ao derredor de nós, em prontidão,

passamos a outro mundo, de antemão,

sem que a distância nossa mente mece,

mas somos substituídos: outro desce

para ocupar o lugar dessa evasão,

igual em tudo a nós, salvo detalhes,

como o mundo ao redor é semelhante,

com a diferença que ocorre o que pedimos,

enquanto o alter-ego segue as calhes

de nossa vida antiga, doravante,

enquanto a vida dele prosseguimos.

MOLDADURAS IX

Essa responsabilidade todos temos

de pensar bem, antes de desejar:

o que queremos se pode realizar,

mas outro paga o preço que não vemos.

São as mentes que propelem os seus remos,

apenas por instante, sem tocar:

uma passa pela outra, em deslizar,

no arcano transmitir que projetemos.

Se obtivermos assim o que queremos,

quem nos diz quanto o outro irá sofrer

nessa troca, quiçá mais do que sofremos?

De forma tal que somente poderemos

usufruir do que o outro irá perder,

caso ele assuma a carga que perdemos...

MOLDADURAS X

Além de nossa prece voluntária,

também, às vezes, trocamos sem querer;

cruzamos um portal, sem perceber,

enquanto outra faceta multifária

ocupa este lugar na rede vária,

que mundos aos milhões pode conter.

Não somos responsáveis: é um poder

a nós mesmos alheio, que a contrária

moldadura produz e nos cambia.

Sabe-se lá porque, ou quantas vezes

nosso passado cruzou tal labirinto.

Só a mais leve mudança a gente via

e a descontava, no sabor dos meses,

a duvidar do que mostrava o instinto.

MOLDADURAS XI

Mas não me leve a mal, você que lê:

eu não afirmo que seja mesmo assim;

apenas descrevi a doutrina, enfim

dos mundos paralelos, qual se vê...

E, se a ideia contraria o que você

acreditou sempre, não é a mim

que deve condenar, pois, outrossim,

não faço ideia do que você crê...

Apenas descrevi, entenda bem,

essa hipótese dos mundos paralelos:

talvez não haja responsabilidade;

talvez seja uma mente que, também,

crie esse mundo inteiro, em seus alelos,

e tão somente imagine a realidade...

MOLDADURAS XII

E, novamente, como ter certeza

de que já não vivemos noutros planos?

Sabe-se lá que imensos desenganos

deixamos para trás, em sua vileza

e nos trocamos, por acaso ou esperteza,

para um mundo melhor que imaginamos...?

Ou quem sabe se somos nós que arcamos

com o fardo de uma troca, por empresa

de algum outro de nós? Em tal quiçá,

somos as vítimas de uma alheia escolha

e alguém mais assumiu nosso destino...

Tudo isso é ilusão. Só sei que há

um duende a espreitar de cada folha

e que nos funerais tangem um sino...

PAU DE VENTO I (para Cláudio Albano)

Uma senhora residente no interior

não conseguia nunca engravidar

e o povo começara até a troçar

de seu marido, por falta de vigor.

Mas um dia, após noite de amor,

ela sentiu o ventre lhe aumentar:

ficou muito feliz. Foi consultar,

mais que depressa, um ótimo doutor.

Este fez os exames com cuidado

e depois, com jeito grave, decretou:

"Minha senhora, lamento lhe informar

que não é de gravidez o seu estado.

O ultrassom somente detectou

que seu ventre está cheio de ar..."

PAU DE VENTO II

Como a notícia logo se espalhou,

a troça ainda aumentou sobre o rapaz:

é o "pau de vento", falava a gente audaz.

"Em vez de filho, foi ar que ele botou!..."

O pior é que a gurizada aproveitou

para fazer suas brincadeiras más;

ele brigava e até corria atrás,

mas foi pior, a zoeira até aumentou.

O padre aconselhou que se acalmasse,

ficasse quieto e logo esqueceriam,

mas no outro dia, andando para a escola,

viu outra briga e fez que ele parasse.

"Mas seu padre, na hora em que me espiam,

eles pedem o meu pau pra encher a bola!..."

William Lagos
Enviado por William Lagos em 30/04/2012
Código do texto: T3642230
Copyright © 2012. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.