Eu não sei escrever

Eu bem que tento! Mas não sai nada que presta. A gente não tem ideia nenhuma que preste, que vá pra frente. Me lembro bem do William Forrester, personagem escritor interpretado por Sean Connery em “Encontrando Forrester” dizendo que pra começar um texto não se pode tentar. E sim começar a escrever o que vier à cabeça. Mas, caralho, é tão fácil assim? Não, porra! Não é nada fácil, coisa nenhuma. É difícil cum borra essa merda de escrever! Quantos palavrões, para com isso!

Aí a gente segue o tal conselho do Forrester. Escrever primeiro o que vier à cabeça. É só pegar no lápis ou sentar na frente do computador com o Word aberto e aí acontece! Acontece o bloqueio mental. Você olha pra tela e ela não te olha de volta. Aquele quadro branco com aquela maldita barrinha piscando sem sair do lugar. Você escreve duas palavras. Meia frase. Uma linha inteira. Um parágrafo! Maravilha! Foi! Até você reler o que escreveu:

“Neste sentido, a expansão dos mercados mundiais pode nos levar a considerar a reestruturação do sistema de formação de quadros que corresponde às necessidades“. Então você apaga tudo de novo. Abençoado seja o backspace. Ele corrige as nossas imperfeições. Corrige nossos pecados literários.

O pior de tudo é você se levantar de frente do caderno, do computador, seja lá o que for para ir ao banheiro. O banheiro é o lugar sagrado pros escritores ou pra qualquer um que queria começar uma produção. As idéias nascem de lá. Suspeito que saia da privada (privada mesmo. Não falo vaso sanitário porque ninguém sabe o que é isso. Nem eu sei o que vaso sanitário). Enfim, é só sentar ali que as ideias começam a sair. Saem com o entusiasmo de quem esteve preso por muito tempo. Saem como se tivessem nascido para aquele momento, seguindo o único caminho que lhes é posto na frente.

Mas, infelizmente, você é pego sem calças. Você não está preparado para aquele momento. Sua vida preocupada em escrever somente quando existe um caderno à sua frente lhe custa a perda desse momento único. Você não tem um caderno ali com você, porque aquele momento é bom pra ler. E você lê tudo o que está na sua frente! Lê compulsivamente! Você passa a eternidade daquele momento lendo e se especializando em rótulos de produtos cosméticos. É um festival de leitura dinâmica de xampus e sabonetes.

Lê o rótulo do sabonete líquido: “O sabonete líquido de cupuaçu apresenta propriedades de limpeza que deixam uma sensação de conforto em sua pele. A menteiga de cupuaçu, oriunda da fruta amazônica, amacia a pele, trazendo sensação de bem-estar e limpeza“. Lê o rótulo do xampu esquisito que sua irmã pegou em algum hotel durante as excursões da escola: “Ingredients: Aqua (Water), Sodium laureth sulfate, Cocamidopropyl betaine, Sodium chloride, Coco-glucoside, Polyquaternium-7″. Lê o rótulo da acetona: “A Solução à Base de Acetona Farmax é usada como solvente. A fórmula com óleo de Girassol proporciona mais hidratação. Cuidados: Inalação pode produzir dor de cabeça, excitação e irritação brônquica“. Lê o rótulo da pasta de dente: “Indicações de uso: Escove os dentes adequadamente após cada refeição, três vezes ao dia ou seguindo a recomendação de seu dentista. Enxágue completamente depois da escovação“.

É. Triste. Como diria o James Hetfield: “Triste, mas verdade”. Pelo menos a gente aprende muita coisa lendo esses rótulos. Eu não sabia, por exemplo, que cheirar acetona causa excitação brônquica. Eu ainda não sei o que posso fazer com a excitação brônquica, mas já é alguma coisa.

O melhor que tá tendo é andar com um caderninho debaixo do braço, que num um povo aí que anda com uns livrinhos grossos debaixo do braço lendo e interpretando aquilo do melhor jeito que os convém por todo lado que vão. Aí, quando você estiver sentado em seu trono, ou fazendo sua obra, você pode escrever. Mas não se esqueça da caneta ou lápis, porque já dizia meu falecido avô: “dedo não é caneta e bosta não é tinta!”. Olha o palavrão de novo!

Tá. Parei.