boneca de louça

-Papai, eu quero ganhar uma boneca de louça. – Disse Eduardo para o pai enquanto tomava sorvete.

-Claro que não, isso é presente de menina, você tem nove anos, não pode pedir um presente de menina.

Os dois estavam parados na frente da loja de sapatos enquanto a mãe comprava um sapato para filha mais velha, essa mania do filho por brinquedos velhos tudo bem, Nícolas não gostava de nada tecnológico, colecionava carros de ferro e brinquedos de madeira, viu na casa da avó uma boneca de louça.

-O que é isso avó?

-Uma boneca de louça, ela tem o corpo de pano, mas as mãos e os pés são de louça. – Disse a avó passando a mão na cabeça do neto, que para ela o pobrezinho do Nícolas era esquisito, disse ao filho uma vez.

-Leva esse menino no médico.

-Mamãe, para senhora tudo acaba em médico, ele só um é pouco excêntrico.

-Excêntrico, veja o que ele coleciona, artigos de jornais com tragédias, você já viu o caderno dele. – Eduardo já ficou preocupado com isso, pensou em proibir, mas o filho sem o caderno com recortes de jornal ficava agressivo e tinha que ir ao médico quase todos os dias, preferiu conviver com os recortes. Eduardo e Miriam conversaram muito sobre o comportamento do único filho, afinal ser um menino quieto e gostar de recortar tragédias ou ficar colecionando histórias violentas, não é nenhum bicho de sete cabeças, ele só tinha nove anos. Eduardo que era ginecologista, um homem experimentado e temente a Deus, já viu coisas piores. Miriam também era ginecologista e também temente a Deus, mas garantiu para Eduardo que nunca viu uma coisa tão bizarra.

-Esse menino puxou para você, na minha família não tem nenhum doido. – Disse Miriam arrumando o cabelo no dia da festa de aniversário de Nícolas, quando fez oito anos. –Na sua, tem aquela sua tia Helena que foi parar num hospício.

-Não chame o menino de doido. - Eles estavam a ponto de brigar, nesta situação o padre ensinou aos dois irem para o cantinho da reflexão, onde cada um sentasse em seu banco, rezasse uma Ave Maria e um Pai-Nosso, pedisse inspiração para Deus. Depois se quisessem podiam brigar, normalmente funcionava, mas quando o assunto da briga era Nícolas e suas esquisitices, às vezes as coisas saiam da linha. Eduardo partia para ignorância e falava logo do pai dela, aquele doido.

-Meu pai tinha epilepsia. – Dizia Miriam.

-Aquilo era cachaça mesmo.

Uma semana, Eduardo era tratado exatamente igual ao porteiro do prédio, bom dia e boa noite, só. Tinham reduzido as discussões depois que Nícolas ganhou o prêmio de ciência, ele construiu um robô, sua inteligência era privilegiada, sua única mania atualmente era a coleção de brinquedos antigos. Gostava dos detalhes sobre os brinquedos, queria saber se o dono já tinha morrido, se era doente, se foi abandonado, depois de se informar, anotava isso tudo em um caderno, que ele chamava de red book.

-Não vou deixar você comprar uma boneca de louça.

-É para a minha coleção. – Nícolas sabia que convenceria o pai, mas não queria a boneca da sua avó, ela não tinha história.

Quando estava com detector de metais na vizinhança, perto de uma casa abandonada viu pela janela uma boneca de vidro na prateleira acima da TV. Ficou parado pelo resto do dia olhando para a boneca.

Chamou o único amigo. Rossi, que tinha dez anos.

-A boneca falou para eu ir buscar ela.

-Nícolas, que você é doido, todo mundo sabe no colégio, mas dizer que a boneca falou com você. – Ele sacudiu a cabeça. - Isso não é viadagem não?

Rossi era o cara mais homofóbico que Nícolas conhecia, para Rossi tudo era viadagem.

-Olha a boneca não é bonita? – Disse Nícolas.

Rossi olhou para a boneca e disse: – Para mim parece uma bosta, eu não gosto de brincar de bonecas. Essa tem uma cara!

Nícolas subiu no muro e saltou, entrou na casa e pegou a boneca, saiu com ela na mão, Rossi ficou pasmo do lado de fora, aquilo era coragem, mesmo para Nícolas, loucura demais.

Quando Nícolas voltou e mostrou a boneca para Rossi.

-Tira isso de perto de mim, que parece que tem o demônio dentro! Olha a cara dessa boneca, que bicho feio. – Rossi mostrou a cara de pavor diante do objeto.

-Rossi, não parece uma obra de arte?

Nícolas levou a boneca para casa, quando a mãe chegou ele disse.

-Olhe mamãe, que linda.

-Ah meu Deus! Onde você achou isso, no lixo?

-Eu ganhei do Rossi.

A mãe pareceu desconfiada.

-O Rossi te deu? Ele tem medo até de barata.

A mãe chamou o Rossi na sua presença.

-Você comprou isso aonde Rossi? – Perguntou a mãe de Nícolas?

Rossi fez a melhor cara de experto que podia e disse: – Comprei não, ganhei de um bingo.

-Que bingo é esse?

-O dos idosos.

-Eles dão bonecas lá?

-Só quando tem criança jogando.

-Você está mentindo Rossi.

-Estou.

-Onde Nícolas conseguiu esse brinquedo?

-Roubou.

Nícolas olhou com cara de poucos amigos para o Rossi.

-Tia Miriam, seu filho Nícolas está começando a desenvolver a mesma doença do seu pai, aquela espécie de loucura rara, não sei o nome, seu Eduardo diz que é doideira de dar com pau.

-A senhora acredita que ele disse que a boneca falou com ele? Isso é loucura que só se trata com remédio.

Nícolas pensou. – Com um amigo igual o Rossi quem precisa de inimigos.

-Senhor Rossi, em primeiro lugar meu pai tinha epilepsia, com relação ao Dr. Eduardo, deixe ele comigo! Na minha família não tem loucura, em segundo lugar o Nícolas está apenas confuso, bonecas não falam.

Nesse instante a boneca falou. – Me levem para casa.

Rossi gritou. – Sai satanás, a boneca está possuída.

Miriam levou os dois amigos até a entrada da casa que Nícolas tinha roubado a boneca.

-É aqui! – Disse Rossi.

-Você pode parar de me delatar, isso é coisa que um amigo faz para o outro? – Disse Nícolas quase chorando.

- O que faço é para o seu bem. Não chora na minha frente que eu acho que isso é viadagem.

-Não é aqui. – A boneca falou novamente.

Miriam pegou a boneca com todo a força e disse:

–Deixa ver onde é o botão que desliga essa porcaria.

-Mãe ela é uma boneca sobrenatural.

-Não falei, ele está ficando doido.

-Cala a boca Rossi. – Ela olhou minuciosamente a boneca, quando uma senhora abriu o portão. Era uma senhora de cabelos longos e pele clara, pegou a boneca e entrou sem dizer uma palavra.

-Que doideira. – Disse Rossi.

-Não falei, aquela boneca era especial. – Falou Nícolas.

-Ainda bem que não era sua. – Disse a mãe aliviada.

JJ DE SOUZA
Enviado por JJ DE SOUZA em 05/10/2012
Reeditado em 03/09/2013
Código do texto: T3917773
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