sábado Negro

A Minha vida estava toda enrolada, devia a bancos, havia uma crise em andamento no meu casamento, estava sem emprego, para completar de vez a onda de azar, minha filha de dezesseis anos não falava comigo. Mesmo assim parava para tomar cerveja com três amigos no bar do Feijó, era o único que pendurava a conta para mim. Eu, Eduardo, Pablo, amigos de copo e infortúnio, pobres e lascados, claro que também havia o Márcio, mas este era casado, tecnicamente não era pobre, sua mulher uma funcionária pública, que apesar de feia igual ao capeta, era rica e pagava as contas. Márcio era considerado, principalmente por ele mesmo, porque ninguém mais achava isso, artista não reconhecido, cantor de modas sertanejas e escritor de poesias nas horas vagas, que no caso de Márcio eram muitas.
-O que vocês estão pensando em fazer esse final de semana? - Perguntou Pablo, foi atleta, jogador de futebol frustrado que trabalhava em uma banca de jornal atualmente, Pablo liderava o ranque de endividados, devia mais de cinco mil a agiotas perigosos da cidade. Viciado em caça-níqueis, uma vez ganhou oito mil, depois perdeu mais de vinte, agora estava desesperado.
-A gente podia assaltar um banco. - Falou Eduardo, que trabalhava em um necrotério. Sua função, ajudante de necropsias, às vezes as suas histórias eram macabras, se ele contasse uma de suas histórias não conseguia dormir. Eduardo, para variar, andava com dificuldades financeiras, tinha uma filha de dezoito anos viciada em crack, já havia internado duas vezes, mas ela voltava a usar. Eduardo vivia pagando divida de traficante.
Ficávamos parados, enchendo a cara, olhando a vida passar. Todos os dias na mesma hora passava o Dr. Mauro, puxando da perna, e com o braço paralisado, teve  um derrame, perdeu o movimento do braço direito e da perna direita, tinha dificuldade para falar, sua língua era toda enrolada. O cara era um neurocirurgião famoso, depois do derrame até a sua elegante mulher o abandonou, ficou sozinho, sem amigos, sem filho. O cara só ficava falando:”fiquei sem a gostosa da minha mulher”, abria o berreiro. Quando eu trabalhava na farmácia entregava umas bombas na casa dele, remédios controlados que ele mesmo prescrevia, benzodiazepínicos, midazolan, antidepressivos, só coisa pesada, era para ela a mulher Dr Mauro, a tal de Rosana, depois que o cara teve o AVC , a vida virou do avesso, os únicos amigos que ele tinha era eu e a galera do bar. Percebi que nos últimos dias a saúde dele vinha piorando e não era todo sábado que ele aparecia.
-Ai Luciano, arrumou a puta pra mim? - Disse com dificuldade para articular as palavras, sentando em uma cadeira e derrubando duas.
-Senta ai camarada.- Disse sorrindo. - O doutor lá está dando conta de puta?
-O meu negócio funciona. Quer vê?
-Tá doido, se vê isso não durmo três dias. - Disse levantando as duas cadeiras que Dr Mauro havia derrubado.
Eduardo virou a cara, não gostava muito da conversa do doutor, ele era muito desbocado, Eduardo era da renovação carismática católica, apesar de falar em assalto a banco e coisas desse tipo, só estava brincando, o cara é um moralista, nem de palavrão gostava, andava na linha, rezava a noite todo dia.
Doutor Mauro tirou um cigarro, havia voltado a fumar depois do derrame, disse que ficou sem fumar quarenta anos, ia para academia todo dia, ainda assim teve a merda do derrame, então voltou a fumar.
-Tenho uma proposta para vocês.
-Não vamos arranjar putas para o senhor, pois não conseguimos nem pra gente. - Disse Pablo, tomando o resto da cerveja do seu copo.
-O que eu quero pedir para você é um pedido de amigo.
-Uai. - Disse sem pestanejar. - Se é de amigo doutor, pode pedir.
-Quero que vocês me matem.
Eduardo que bebia a cerveja naquela horinha cuspiu bem na cara de Pablo, e deu uma gargalhada.
-O senhor está brincando? – disse.
-Trezentos mil para cada um, inclusive aquele outro, baixo e careca que vive à custa da mulher. Meus queridos, um milhão e trezentos mil, para me matarem é tudo que tenho no meu cofre, poderia pedir para qualquer um nesse planeta, poderiam até me fazer um desconto, mas o que faria com o dinheiro que sobrou?
-O senhor pensa que somos assassinos? - Disse Eduardo
-Cala boca Eduardo, não vê que o homem está quase morrendo mesmo, aleijado e cuspindo e babando, só quer uma ajudinha e dessa para a melhor, provavelmente foi um médico humano e espera ir para o céu - Disse Pablo.
- Na verdade sou ateu. - Doutor levantou da cadeira jogou o cigarro fora e disse.
-Até sábado que vem, quero estar morto no domingo, acho missa de sétimo dia no domingo coisa mais bonita.
-Doutor. - Perguntei intrigado. - Porque o senhor não se mata?
-Olhe para mim, não consigo nem andar. - Ele completou: - E sou muito covarde.
Quando Doutor saiu não sabíamos o que falar, Eduardo estava de fisionomia fechada, foi ele quem falou primeiro.
-Isso é humor negro? Não podem levar a sério esse velho?
-Cala a boca Eduardo! - Falamos eu e Pablo em coro.
No dia seguinte na casa de Márcio ouvimos um sonoro não, que ele não participaria dessa coisa, com Eduardo fora, só dois estavam na parada eu e Pablo.

Dias depois na quita feira, a gente tinha pesquisado todas as causas de morte na internet, a pesquisa berou o rigor cientifico, por envenenamento, enforcamento, tiro ,flecha, espada, por fogo, afogamento, segundo Pablo ele nem sabia que havia tantas formas para matar.
Minha mulher chegou com café e perguntou em que estávamos metidos.
-Um festival. - Disse Pablo do nada, burro não pensou em outra coisa, minha mulher era louca por carnavais, quis logo saber de que se tratava, ela achava que festival era igual carnaval.
Eu muito lúcido, com ar compenetrado e fazendo um esforço enorme para ser um bom mentiroso disse.
-Um trabalho escolar encomendado, estamos mexendo com isso agora, muitos adolescentes ricos e burros nos contratam esse, por exemplo é sobre mortes.
-Crus credo! Quem ia pedir isso numa escola?
-Essas escolas de rico. - Disse engolindo em seco, porém à única coisa que ela falou, foi:
-Luciano, se você está indo em festa sem me falar eu te mato. E vou usar a sua pesquisa para escolher o jeito de te matar mais doloroso conhecido no planeta.
Marcio chegou lá em casa desolado.
-Que foi Marcio?
-Estou na merda. - Disse com as mãos na cabeça.
-Sua mulher te deixou?
-Não tão na merda assim, né Luciano! - Pegou a garrafa de café e colocou café no copo de massa de tomate tomou, depois cuspiu na pia.- Minha música, foi considerada plagio do titãs, mesmo mudando o ritmo para o sertaneja. Vim dizer para vocês que estou dentro da operação que intitulei de: Mata o velho. Aliás o Eduardo, que está morrendo de vergonha, está no carro. Ele disse que veio para garantir uma morte menos cruel para o pobre velho.
Sexta feria todos nos fomos para o bar, combinamos não beber para não atrapalhar a concentração, Pablo bebeu apenas uma pinga, depois deixou o resto de lado, queria estar pronto, Marcio,enchendo o saco de todo mundo, contou como fez pra mudar totalmente a composição de É o Amor de Chitãozinho e Xororó.
-É Zezé de Camargo e Luciano a música. -Eu disse.
-É tá bom, quem se importa? Alguém estragou a ideia, eu melhorei.
Então o dia foi diminuindo, o telefone tocou, o orelhão perto do bar, um dos últimos da cidade, orelhões era uma espécies em extinção, claro que nem um dos três tinha celular. Atendi, era o Doutor, perguntou para mim se estava tudo certo, disse que sim, qual era o método usado para acabar com a sua vida? Bom, disse para ele que esse era o nó critico da questão, estava em reunião com meus colaboradores discutindo exatamente isso. Não demore, não quero nenhum método doloroso nem barulhento, disse e depois desligou. Pablo perguntou quem era.
-O Doutor, a gente tem que chegar a uma conclusão de como vamos matar esse doutor.
-Veneno de rato. - Disse Eduardo com umas pedrinhas de chumbinho na mão.
-Isso demora para matar, li na internet, sai espuma pela boca dói os rins, o que é pior, vai que a gente desiste no meio do caminho e tem que fazer respiração boca a boca? -Disse Pablo com nojo.
-Vamos à maneira americana, votação. Eu voto pela paulada. - Disse Marcio. - É uma só bem dada, uma na moleira, assim que mata porco na minha terra.
-Eu voto pelo tiro. - Disse Pablo.
-Sem barulho, tiro não. -Eu disse pegando a nossa listinha de formas de matar. - Aqui tem uma que fazem em prisioneiros, injeção letal.
-Quem é que vai fazer a injeção? E os componentes da injeção? - Perguntou Eduardo.
O silêncio desceu sobre o grupo.
-Poxa! Não sabia que era tão difícil assim matar alguém, olha que o cara está quase morrendo. - Falou Pablo jogando a toalha.
-Cada um pega uma arma, alguma coisa que sirva para matar e aparece por lá. - Disse, pois já era uma hora da madrugada e o bar tinha que fechar.

Sábado, todos reunidos na casa do Marcio, pois a mulher dele tinha ido para feira.
Pablo estava com o revolver, Eduardo com uma faca, Marcio tinha uma corda na mão.
-Cadê sua arma Luciano?
Perguntou Pablo.
Peguei o travesseiro e mostrei.
Chegamos à casa do doutor às dez horas, ele estava tomando café, disse para a gente esperar, perguntou por que tínhamos chegado cedo, disse que foi ansiedade, ele falou que estava tudo bem, só tinha que fazer uma coisinha antes, perguntei o que, ele disse que receberia a Gina prostituta, falei tudo bem, apesar dos outros protestarem, uma hora se passou.
-O velho está uma hora lá dentro. - Disse Eduardo. - Que pouca vergonha, não respeita a própria morte.
Todos estavam sentados na sala, Marcio olhava para o relógio o tempo todo.
-Minha mulher se volta da feira e não me encontra, vou ter que dormir no sofá.
Pablo que estava comendo todas as balinhas do pote de balas na mesinha de cabeceira disse. -Será que ele já morreu? Nem falou pra gente onde estava a grana.
Eu disse que estava no cofre. A prostituta saiu, ele pagou quinhentos e disse.
-Só mais um coisa, já decidiram como vai ser? -Disse comendo um bombom.
-Estamos pensando numa combinação menos dolorosa, remédio para dormir.
-Essa parece boa, lembrem não posso sentir dor.
-Pode ser agora. - disse Marcio.
-Só mais uns minutinhos, afinal estou dando adeus a essa linda vida. - Disse. –Eu tenho mais uma visita.
-Outra prostituta? – Falou Eduardo.
-Neuza. - Ele falou. - Antes foi uma morena agora vai uma loura.
Eduardo falou como um rugido, já puto da vida.
- Que velho tarado! Agora tá me dando vontade de matar esse velho. – Disse Eduardo, depois foi ao banheiro.
Duas horas depois Marcio teve que ir embora, Eduardo voltou do banheiro, Pablo estava na geladeira.
Dr Mauro voltou só cuecas.
-Minha gente,eu acho que ela morreu.
-O quê? Ela quem? - Falou Pablo já puto.
-Neuza, teve um troço lá dentro e morreu.
Foram todos até o quarto, ela estava vestida com roupas sado masoquistas e um sinto no pescoço, morta da silva.
-Cacete, não era tu que tinha que morrer Mauro? -Disse Pablo.
-Não quero morrer mais, pago cem mil para cada um, menos para o cara que saiu para se livrar do corpo.
Eduardo estava para ter um filho.
- Como não quer morrer. -Disse quase gritando.
-Acho que fiquei apaixonado pela primeira prostituta. - Disse Mauro, com a boca entortado, até que deu para ver que ele estava tendo um derrame. Caiu morto.
-Ele não pagou a gente.
Disse Pablo.
--Vamos arrombar o cofre. - Disse Eduardo.
Depois de uma hora com pá picareta e muito barulho, a campainha tocou, a sindica veio ver o que era, Pablo foi explicar que era uma obra no banheiro, perguntou se tinha licença, ele disse que tinha licença, ela pediu para ver, ele disse que o engenheiro estava chegando e a licença estava com ele, a mulher fez cara de não acreditar, ela disse se não chegasse até as duas da tarde, ela chamaria a policia.
Paramos o barulho, com o cofre quase aberto.
-Que vamos fazer? - Perguntou Eduardo.
-Ficaremos aqui até segunda, depois tiramos o cofre.
-Esses dois corpos? - Perguntou Pablo.
-Vou pegar uma serra.
Cortamos os corpos, que foram levados por Pablo e Eduardo para o crematório do necrotério.
Segunda, nós terminamos de tirar o cofre, só que lá não havia nada só as palavras em um bilhete velho.
-Desculpem, estou falido.


 
JJ DE SOUZA
Enviado por JJ DE SOUZA em 09/10/2012
Reeditado em 24/10/2020
Código do texto: T3924024
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