Volta as aulas

Mais um inicio de ano, o casal senta com a lista de material escolar em mãos.

- Pronta?

- Pronta!

- Então vamos lá. Quatro cadernos. Eles não precisam de tantos cadernos assim. Não vão escrever tanto. E agora com esse negócio de internet, o professor não passa mais lição no quadro. Vamos comprar um.

- Um só?

- Amor, não é a maquina que faz um bom fotografo, não é a chuteira que faz um bom jogador, não são os materiais escolares que fazem um gênio.

- Mas um só?

- É, compramos um de vinte matérias, o Pedro usa de manhã o Leo a tarde.

- Ok, um caderno.

- Uma caneta azul, uma preta, uma vermelha.

- Vermelha?

- Ta aqui. Não precisa de vermelha. Ninguém usa vermelha. Só o professor. Pode reparar. Nunca sumia a vermelha. Porque ninguém usava.

- É em compensação a azul e a preta.

- Então compramos uma azul para o Leo e a preta para o Pedro.

- Ok, azul e preta.

- Próximo item. Lápis de cor.

- Lapis de cor não né.

- Eles já foram para o sexto ano, ninguém usa lápis de cor no sexto ano.

- É só para dar volume no estojo.

- Lapis de cor não.

- Lapis preto, dois.

- É, lápis precisa.

- Dois?

- Vamos dar esse luxo pra eles.

- Ok.

- Mas marca ai pra comprarmos aqueles que vem com a tabuada que é pra não precisar comprar a calculadora.

- Ta.

- borracha, apontador, cola, tesoura...

- Acho que cola e tesoura não precisa.

- Será?

- Usa pouco. Se precisarem pede pra um amiguinho. Ninguém usa todo tempo. Empresta do amigo, cola o que tem que colar, corta a o que tem corta e devolve.

- Verdade, ainda aprende a dividir e devolver as coisas.

- Exatamente.

- Regua.

- Não, usa a capa do caderno. Tem quase trinta centímetros, da na mesma.

- Estojo não, não tem nada pra colocar dentro.

- Dicionario?

- Tem na biblioteca.

- Folha sulfite?

- Vamos falar que somos contra, que o desmatamento está ai, que se for preciso eles copiam a prova numa folha de caderno.

- Boa.

Continuam verificando.

- Agenda?

- Agenda?

- É, agenda, ta escrito aqui.

- Pra que agenda? Eles só tem doze anos. O que eles precisam anotar na agenda. Que criança compromissada é essa que precisa de agenda?

- Aqui ta dizendo que é obrigatório.

- Obrigatório?

- Ta aqui.

- Pega aquela que eu ganhei de amigo secreto, ta novinha.

- Mas é de 2008.

- Não tem problema, não sei onde eu vi que os dias da semana de 2013 vão cair nos mesmo de 2008.

- Ok. Mas só tem uma.

- O Pedro usa metade de cima da folha o Léo a metade de baixo, os dois estão nos mesmo dias, não tem necessidade de comprar outra.

- Certo. Mochila.

- Pra que mochila? Só vão carregar um caderno, caneta e agenda.

- Mas e os livros escolares?

- Tem isso né.

Silencio.

- Vou conseguir um atestado pra eles alegando que não podem carregar peso. Assim podem deixar os livros na escola.

Silencio.

- Acho que é isso então. Parece tão pouco.

- Nada, daqui dois meses eles teriam só isso mesmo. É só o que precisam.

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- Quando começa as suas aulas?

- Amanhã.

- Amanhã? Já?

- Sim.

- Tem certeza?

- Sim.

- E você não me falou nada.

- Pai, você devia saber.

- Por que eu deveria saber?

- Porque você é meu pai, pai.

- Tem certeza que é amanhã. Não é depois do carnaval?

- Sim.

- Por que não começaram depois do carnaval. Agora começa as aulas, ai já tem o feriado de carnaval.

- Pois é.

- Você só vai depois do carnaval.

- Mas pai.

- Não tem mais pai. Eu te dou mais essa semana de férias.

- Brigadão pai.

O pai e a mãe estão parado na porta do quarto do filho, que dorme, com um sorriso no rosto.

- Nossa, como ele ta feliz.

- Nem parece aquela criança que foi dormir brava porque não queríamos deixar ele faltar no primeiro dia de aula.

Fecham a porta do quarto lentamente.

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O pai está na sala, o menino está indo para o quarto, o pai o chama.

- Filho.

- Oi?

- Senta aqui, o papai quer falar uma coisa com você.

- Ãhm.

- Amanhã é o primeiro dia de aula.

- Sim, eu sei, estou ansioso.

- Eu sei que você está ansioso, por isso mesmo queria te dizer algumas coisas.

- Fala.

- A escola é legal, mas tem algumas pessoas que não são tão legais assim.

- Pai, na minha sala só vai ter crianças, igual eu.

- Não, vão ter outras também. As grandes.

- Eu não sou grande?

- Sim, é grande filho, mas já estamos melhorando sua alimentação pra você emagrecer.

- Oi.

- Nada. Você é grande. Mas o que eu estou querendo dizer é que não é pra você ligar para quem mexer com você.

- Como assim, mexer comigo?

- É, tipo falarem que você é orelhudo. Gordo. Que parece o Dumbo.

- Mas eu não sou orelhudo.

- Não, sua orelha é assim pra você ouvir melhor.

- Quem é Dumbo.

- Ninguém, ninguém.

- Dumbo. Dumbo.

- Presta atenção no papai.

A criança volta a olhar para o pai.

- Se você não for escolhido para o time de futebol não liga. É por inveja.

- Mas porque eles não vão me escolher.

- Eu não to falando que eles não vão te escolher. To falando, caso não escolham é porque você é muito bom.

- Igual você.

- Igual o papai.

O menino sorri.

- Outra coisa, são as meninas.

- Ui, eu não gosto das meninas.

- Menos mal, pelo menos por hora você não vai sofrer. – resmunga.

- Oi?

- Nada. Nada. O que o papai ta tentando dizer é que não acreditem em nada que as outras crianças falarem sobre você.

- Mas eles não me conhecem.

- Isso mesmo. Mas depois quando conhecerem e falarem, você fala para o papai.

- Ta.

- E se tentarem te bater você corre.

- Oi?

- Não, não corre, você não vai aguentar. É melhor revidar.

- Revidar?

- É, bater de volta.

- Mas o papai disse que não era pra eu bater em ninguém.

- Esquece o que o papai disse. Bate de novo. Lembra como você batia na sua irmã?

- Lembro.

- Então, faz isso.

- Ta bom. Agora posso ir?

- Pode. O papai te ama, não acredita no que te falam.

- Ta.

A criança vai saindo.

- Acho que vou gostar da escola.

Afonso Padilha
Enviado por Afonso Padilha em 04/02/2013
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