O CABELEIRA
Dizem que os gênios moram dentro de uma garrafa. Eu, apesar de nunca ter sido genial, também gosto de uma garrafa. Embora a minha preferência de posicionamento é estar do lado de fora delas.
Não que eu seja um alcoólatra amoral, como o Jaguar ou o Fausto Wolf , mas a primeira conjectura que fiz quando anunciaram a existência de gelo em Marte, foi que se descobrissem uns limaozinhos em Mercúrio e açúcar em Vênus, nossos cosmonautas poderiam tomar porres de caipirinhas interplanetárias.
Estava saboreando algumas empadinhas, enquanto tomava uma vodka com quatro pedras de gelo, aqui no Bar Bundao – é como nós , manguaceiros em geral, chamamos este boteco. O nome deve-se a um garçom e a esposa gostosona do proprietário da bodega. É que o tal garçom tinha um barbao tipo judeu ortodoxo. Aí o apelido do boteco virou Bar Budão, o nome atual é uma referencia obvia a digníssima patroa do dono do estabelecimento.
A noite seguia calma no que eu costumo chamar de tédio etílico, quando entra no bar um sujeito muito nervoso, dizendo que estava sendo perseguido.
O cara era meio esquisito. Baixinho como o Danny De Vitto, mas no lugar da careca do astro holliwoodiano, a natureza o tinha brindado com uma cabeleira escorrida e amarela, tipo channel.
A natureza não havia sido pródiga. Se eu tivesse que mudar alguma coisa na aparência dele, só mudaria uma parte...a parte de fora.
O sujeitinho dizia que corria risco de vida. Que um perigoso marginal da região o havia jurado de morte. Era fácil perceber que o cara estava muito embriagado. Estava tomado pelo demônio do álcool, maconhado na cachaça.
Como sou uma pessoa prudente, resolvi guardar uma distancia segura dos acontecimentos. Fiquei a umas cinco mesas da cena.
De repente chega o tal marginal perigoso.
Era o Jorge Gordo. Eu já conhecia a sua fama. Era mesmo perigoso. Embora um tanto decadente, ainda tinha conceito no mundo da malandragem.
Chegara com um pacote na mão. Era um saco pardo, destes que a gente coloca o pão francês quando vai à padaria. Mas com certeza o Jorge Gordo não iria perseguir o baixinho com um saco cheio de baguetes.
Quando o cara da cabeleira viu o Jorge Gordo com o saco na mão, correu para a cozinha do boteco, chorando e berrando. Pedia “ pelo amor de Deus” para que não deixassem que o Jorge Gordo o matasse.
Imaginei que dentro do saco deveria ter uma bomba, um punhal ou no mínimo um tresoitao cheio de balas.
Numa atitude prudente, me atirei debaixo da mesa e fiquei aguardando o melhor momento, em termos de segurança, de efetuar a minha retirada do local.
Enquanto isso os fregueses mais corajosos interceptaram a trajetória do matador em direção á cozinha tentando acalma-lo. O assassino em potencial devia ter um metro e noventa de altura, uns cento e cinqüenta kilos e uns noventa centímetros de largura. E o monstro sabia falar, se é que se podia chamar aquilo de fala. Parecia uma trovoada dentro do bar.
Pelo que pude entender a estória era o seguinte: O baixinho e o troglodita estavam jogando porrinha e tomando cachaça em um beco de uma favela próxima. Até que em dado momento a mãezinha do grandão o chamou da porta de seu barraco e avisou que já era hora de entrar, afinal a noite estava muito fria e ele não estava bem agasalhado.Ele como rebelde que era, não deu ouvido e voltou para o jogo e a cachaça, mas aí já não encontrou nem o baixinho e nem o litro de pinga.
Agora, estava em perseguição ao safado e ameaçava corta-lo todo. Dizia isto berrando e mostrando ostensivamente o embrulho.
Neste instante o Danny De Vitto, sentindo-se mais seguro pela aglomeração de pessoas, poe a cabeça, junto com a cabeleira channel, na porta da cozinha pra ver o que estava acontecendo. Quando o Jorge Gordo o viu, empurrou quem tentava segura-lo e enfiou a maozarrona dentro do saco.
Tampei os olhos com a s duas mãos pra não ver a cena,e estava praparado para ouvir o estampido dos tiros, quando ouvi um miado de um gato.
Tomei coragem e olhei para a confusão.O Jorge Gordo segurava um gato pestiado, que num esforço sobre-felino ainda conseguia emitir alguns miados, talvez de fome.
E o monstro troglodita trovoava : “ Vou colocar ele pra arranhar a tua cara, seu safado! Cadê a minha cachaça?
Levantei-me de debaixo da mesa, limpei minha calça na altura dos joelhos e pedi mais uma vodka e uma empadinha.