Ensinando respeito

A caverna do homem moderno. Sua casa, sua cozinha. Longe da selva lá fora, depois de mais um dia de trabalho. Uma cerveja dourada em cima da mesa, como uma recompensa. Novela passando na TV. Lúcio não gostava de novela; sua mulher, na sala, sim. Terça-feira ainda, a semana ainda estava ganhando altura; tudo o que queria era relaxar. Amanhã, voltaria a encarar as feras.

De repente, o berro de uma moto sobressaltou-o. Tudo estaria bem se fosse um único e isolado berro, mas a pessoa inventava de dar passeios, entrando e saindo da rua, indo e voltando, forçando a moto a dar roncos, gritos, gemidos. Acontecia praticamente todo dia nas últimas semanas. Irritava Lúcio como uma ofensa. Devia ser aquele garoto magrelo - o irmão do rapaz que parecia um touro de tão forte – e a insistência nisso dizia a Lúcio que o garoto queria impressionar alguém, talvez compensar uma aparência física não muito atraente.

Antes dessa barulheira interminável, o sono vinha lhe embalar depois de quinze minutos acompanhando novela. Agora, dormia bem mais tarde e acordava cansado e estressado no dia seguinte. A selva lá fora não é um lugar bom para gente cansada, pensava. Falava para a mulher: “Esse garoto é um bobo, um mal criado, um sem educação. Quer chamar a atenção pra si mesmo, e nem se dá conta de que está incomodando. Se continuar assim, vou ter que ensinar a ele um pouco de respeito.” Sua mulher caçoava. Sim, caçoava. Porque ele era um medroso, mesmo fazendo pose de durão. Ela o conhecia como ninguém.

O dia da lição era hoje. Sua tolerância e sua paciência haviam chegado ao fim, assim como aquele bloco da novela na TV. Não queria motos zunindo pelo seu portão por nem mais um minuto. Levantou-se, o sangue circulando raivoso pelo corpo e atravessou a sala como um raio.

- O que vai fazer? – Perguntou a esposa, mal o acompanhando com os olhos.

- Vou ensinar um pouco de respeito aos mais velhos a esse moleque.

Escancarou a porta com violência, foi até o portão e o abriu, imaginando o garoto todo surpreso e assustado em sua magreza enquanto lhe passava um sermão. Olhou para a direita seguindo o som da moto. Não viu o garoto magro sobre a moto, mas seu irmão, indo e vindo, indo e vindo.

Voltou para dentro tão depressa quanto antes e sentou-se na sala. Pegou o telefone.

- O que está fazendo agora? – quis saber a mulher.

- Discando 190.

- Mas você não ia ensinar um pouco de respeito aos mais velhos ao garoto?

- Ora, e a polícia não é mais velha que ele?

Alex Nunes
Enviado por Alex Nunes em 26/05/2013
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