Dia dos namorados – suplicio do Amor
 
 


Maria Lucia sabia que a melhor coisa a fazer era contar a verdade para Otavinho, como na depilação: de uma vez,no arranque, como uma mulher corajosa deve fazer, sem meias palavras, por isso marcou o encontro em um restaurante Japonês que Otavinho gostava , no dia dos namorados, logo esse dia! Não tinha outro jeito, crueldade a parte, Maria Lucia estava de viagem marcada pra São Paulo,  até comprou um presente, uma caneta, Otavinho era metido a escrever poesia de merda, essas de amor, do tipo que rima com louvor.
            Quando ele, Otávio Mendes Barbosa, batizado, crismado e da renovação carismática, entrou na vida de Maria Lucia, foi um furação, o que parecia ser o amor da sua vida, beijo pra cá, abraço pra lá, depois comedido a convidou para fazer parte da Juventude de Jesus, Maria Lucia, achou um chame homem religioso, putz! Isso não se vê mais.
            Cara perfeito, não fumava, não bebia, não tentava botar a mão em lugares proibidos, e definitivamente não era viado.
            Dez da noite, ela chegou de taxi, Otavinho de ônibus, o Voyage 89 estava em manutenção, herança do seu Aroldo, pai de Otávio.
            Com flores na mão e um sorriso de partir o coração, desses que só homens na bobeira da paixão têm.
            -Meu amor, que lindo! – disse Otavinho – Você escolheu o meu restaurante preferido.
            Maria Lucia deu um beijo rapidinho e sentou-se em uma mesa no canto.
            -Gosto da mesa lá perto da lareira – disse Otavinho.
            -Vamos ficar nessa quero algo discreto, o restaurante está meio cheio – disse Maria Lucia, sem mudar o ton de voz.
            -Ok – disse Otavinho, em restaurante de gente rica, um garçom veio pegar as flores para colocar no jarro.
            Os pombinhos ficaram olhando o cardápio por dois minutos em silêncio, ai Otavinho sempre falava alguma coisa que lembrava que tinha sido criado pela avó.
            -Estou louco para assistir o filme novo da serie Jornada nas Estrelas, você vai, dizem que o roteiro é muito bom? – perguntou, porém Maria Lucia não respondeu.
            -Como o roteiro de ficção cientifica pode ser bom? Só você pra gostar dessas coisas, o filme é cheio de efeito especial, você sai de lá tonto, a única coisa que não tem é roteiro, star wars tinha roteiro – disse Maria Lucia sem pensar muito.
            -Você está comparando os dois filmes? – disse Otavinho.
            -Deixa pra lá, estou aqui porque quero falar uma coisa séria, entende, sobre o nosso relacionamento – disse olhando para o Otavinho.
            -Queria me casar, eu só acho que a gente está estudando e precisa construir...
            -Para! Merda! Me escuta, olha pra mim, tá olhando? – Otavinho balançou a cabeça - Não quero me casar com você Otavinho, presta atenção, eu não quero me casar com você - soletrou ela.
            -Noivado, pode ser, certo, casamento não está muito cedo, a gente se ama ...
            -Otavinho, você até que é bonitinho, mas é burro pra cacete, olha em que mundo você vive? Cala a sua boca, me deixa falar, um segundo, eu te peço, você fala sozinho, narcisista filha da puta – disse Maria Lucia e olhou em volta, o casal mais perto não se interessava pela briga.
            Otavinho olhou e pensou “filha da puta não, não, não, não fala assim, pessoas que se amam não falam assim umas com as outras”, ficou em silêncio, era assim que Otavinho ficava quando eles brigavam, silêncio, não gritava, não falava palavrão, não dizia nada, uma estátua, ela ficava possessa começava a xingar a mãe, pai, falar palavrão e ele nada, isso irritava Maria Lucia, era preciso colocar a raiva pra fora.
            Outro silêncio, sufocada ela falou.
            -Estou grávida.
            Falou baixinho, para não assustar.
            -Você está grávida, a gente nem fez sexo? – Falou Otavinho quase gritando, falou em sexo, todo mundo que estava em volta olhou, cochichou, sorriu, era para morrer de vergonha com a situação.
            -A gente não, mas eu fiz – disse Maria Lucia, estava tentando ser honesta, que babaca, nem percebia nada, e aqueles riquinhos de merda rindo dela.
            -Sacanagem, porra eu aqui de flores, chocolate, esse caralho todo, velas e o diabo e você saindo com outro homem, que falta de caráter, olha o exemplo da minha mãe – disse Otavinho se levantando.
            -Para, não fala da fofoqueira da sua mãe, que eu acho que na outra encarnação vocês foram marido e mulher – disse Maria Lucia.
            -Você deve estar possuída, só pode, algum demônio penetrou no seu corpo – disse Otavinho tirando o terço do bolso.
            -Só se for um demônio, né Otavinho? Que se dependesse de você, penetração só com presença de um padre e não antes de fazer mil orações broxantes.
            Depois sentou novamente e começou a chorar, Otavinho era sensivel pra caramba, chorava até em filmes, soluçava como um bebê, todos agora olhavam para o casal, Otavinho é um dos poucos homens que acredita em amor eterno e aquelas palavras realmente machucavam o seu amor virginal.
            -Não se preocupa Otavinho, a vida continua, acho que nem me lembro de vê você pelado, que desperdício, você sabe como eu chegava em casa, duas pegadas e estava preparada, ai você dizia, “meu amor como te amo, Jesus vai guardar a gente um para o outro” ai eu ficava pensando :”agora ele vai colocar a mão lá”, eu quase tinha um colapso, bem que eu tentei a sedução, mas você com a coisa toda do Jesus, ai desisti – disse Maria Lucia.
            -Que?
            -Tem mais, já fiz um aborto.
            Otavinho teve uma vertigem e desmaiou, o garçom veio ajudar, achou que ele estava morrendo e fez respiração boca-boca, Maria Lucia sentiu-se aliviada.


por JJ DE SOUZA

JJ DE SOUZA
Enviado por JJ DE SOUZA em 11/06/2013
Reeditado em 09/09/2013
Código do texto: T4335914
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2013. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.