Lagrimas

 

"Por uma necessidade absoluta e incontrolável, a natureza determinou-nos a julgar tanto quanto a respirar e a sentir."

 

David Hume

 

 

 

 

Sérgio chegava em casa sempre cansado, para muitos um homem de bem, para outros um religioso fanático, um guerreio temente a Deus e ao Diabo, cumpridor de seus deveres de pai, marido e empresário, era o provedor da casa e dizimista.

Sofria de uma falta de apetite que começou na infância, roupas folgadas, seus cabelos eram crespos, curtos, de pele bem morena, alguém poderia dizer que era até bonito, porém os dentes persistentemente amarelos e o ridículo bigode que passou a cultivar após os quarenta anos aniquilavam seus belíssimos olhos verdes, sua pele morena, características herdadas de sua finada mãe.

Construiu a sua empresa que era o seu orgulho, sua grande criação, pequena, com uma sede modesta, tinha seis empregados, colocou o nome: “Catarina, materiais eletrônicos e serviços”, homenagem a esposa.

Poderia ter sido um homem de sucesso, mas confiou em pessoas erradas, perdeu dinheiro e no momento devia até as cuecas, quatro financiamentos, bancários, além do caminhãozinho da firma com três parcelas atrasadas.

A filha gostava de roupas caras, quando perguntava pelas roupas que ela aparecia vestida em casa, muitas de alto padrão, marcas caras, ela dizia: ”ganhei de uma colega”, além disso, tinha o hábito de frequentar casas noturnas fora dos seus padrões financeiros.

Na infância a filha foi um doce, Jesus, como as crianças enganam!Pensou Sérgio, nessa época elas trazem tanta felicidade. Escarlate esteve sempre ao seu lado, para onde ia a pequena corria atrás, foi crescendo e quando chegou aos treze anos não quis mais saber do pai, nas poucas vezes que procurava o pai foi para pedir dinheiro ou reclamar de alguma coisa.

O filho entrava e saía de casa como um estranho.

-Pode me ajudar na construção do muro da nossa casa? - perguntou Sérgio ao filho.

-Tá me achando com cara de operário? Sou artista Hip-hop, sacou, tive uma experiencia legal com a musica – Sérgio teve um engasgo.

-O quê ?– nem conseguiu falar, a dor no peito apareceu, teve que tomar um calmante, quando acordou tirou satisfação com a esposa, ela mandou ele a merda, mais de uma vez, ele disse que todos estavam perdendo o controle ali.

Sérgio deixou Kauã de castigo sem usar o computador e chamou a mulher na cozinha:

– Você viu que ele fez a tatuagem do Diabo no braço? - disse aos gritos enquanto a mulher espremia batata para um purê.

-Aquilo é a dama de ferro, uma banda de rock, é musica seu ignorante, rock, vai me dizer que não escuta Rock? - respondeu.

-Sabe que não escuto Rock – disse e segurou o braço dela – fala comigo, ele está usando drogas?

-Presta atenção nos seus filhos, eles precisam de amor, carinho, respeito e um pai desse século, entende? Antenado. - disse Catarina e bateu a porta.

A mulher, morena, cabelos lisos e olhos cor de mel, tão bonita, ele a considerava o maior amor de sua vida, porém ela estava distante.

A vida estava boa até o último natal, quando Sérgio teve um sério problema de perda da ereção e ejaculação precoce, procurou muitos médicos e chegou a tomar antidepressivos, mas todos os urologistas falavam que ele estava com um problema psicológico.

Em um sábado desses, na cozinha, ele e a esposa tiveram uma conversa de casal, aparando as arestas do relacionamento.

-Sérgio, não estou suportando mais isso, já fiz de tudo, comprei lingerie, filmes pornôs, nada funciona, já tentei até os extremos e pedi uma outra mulher na relação - neste momento, dramática, ela virou os olhos e completou - nesse dia você chorou, ai entendi que estava acima dos seu limites, o problema é que ando subindo pelas paredes, ando muito nervosa, eu preciso ter um orgasmo, Sérgio pelo amor de Deus! – disse sem atropelar as palavras, ele foi ao médico, tirou a roupa.

Quando viu Sérgio pelado, depois de olhar os exames todos normais, o urologista falou.

-Talvez seja o tamanho – disse tossindo, continuou meio engasgado – nunca vi um desses assim, nem em filmes, é fino igual a um pirulito e quase bate no joelho, haja sangue.

-Que pode fazer Doutor? Cortar pela metade? - perguntou Catarina.

Sérgio sentado na maca ouvia tudo bem triste, decidiu que não procuraria mais os médicos, deixaria a sua cura a critério de Deus, médicos eram seres cruéis.

Sérgio está aprisionado pela paixão, louco de amor, que ele sente ser verdadeiro, o problema é que tocava sua mulher sem roupa, aquele corpo lindo, pronto, sentia o esperma sair, tentou todas as estratégias possíveis dentro do mundo cristão considerado por ele normal e temente a Deus.

A mulher, ao contrário, parecia cada dia odiar Sérgio em maior escala, com o tempo desenvolveu hábitos que deixa Sérgio louco de raiva, no começo pensou que era vingança, depois teve certeza.

Em sua vingança particular ela separou o sabonete, a escova de dente - isso até que ele entende -mas o talher? Só o dele era separado.

-Ela me disse que o talher pode contaminar, passar bactérias. - Sérgio disse para o Aderbal na hora do café, a cafeteria parecia um confessionário, ele sabia que o Aderbal era fofoqueiro, mas não conseguia se segurar– todo mundo pode usar qualquer talher, o meu tem que ser separado, como se tivesse lepra, tuberculose, ou câncer

-Câncer não contamina, você tem cara de tuberculoso mesmo, e aquele problema seu da ejaculação precoce? Não me venha me enganar que da sua vida sei tudo.

Aderbal inconveniente como ele só, preferiu manter o assunto.

-Ela disse que na raiz do dente tem Bactérias! Que meu dente é muito amarelo, que posso fazer se tomei muito antibiótico na infância, já fiz clareamento e nada do meu dente ficar branco - disse Sérgio desanimado.

-E esse bigode? Tira esse bigode pelo amor de Deus, você está parecendo Hitler afro-americano. - Sérgio passou a mão no bigode, fino quadrado e abaixo do nariz, como o de Hitler .

Aderbal sapecou açúcar no café, não admira ele ser diabético, pensou Sérgio.

-Agora não se preocupa com a coisa do beijo que desde mil novecentos e setenta que não beijo a minha, nada de agarração, não gosto, lá uma vez ou outra a gente faz...Você sabe?- disse o Aderbal, o pires batia na barriga do Aderbal e Sérgio em pé enxergava a sua careca, Aderbal era gordo e baixinho, mas parecia feliz.

Sérgio não poderia concordar com o Aderbal.”E o amor?”, Ele bem que gostava de uma agarração com Catarina.

Entretanto, a tolerância de Sérgio com a mulher vem acabando, um incidente entre ele e o filho quase foi à gota d'água. No natal passado resolveu fazer um extra, trabalho para pagar o vestido caro que a esposa comprou para a virada de ano, esse vestido Catarina queria muito e o dinheiro também foi para pagar a ultima prestação do computador do filho. A sua surpresa foi que quando chegou à noite de sexta feira, depois do por do sol, no momento que queria paz e tranquilidade, para a sua tristeza o filho arrumou uma festa na sua casa, que começou antes do por do sol e não tinha hora para acabar. Sabe o que é pior? Sua mulher ficou do lado do filho.

-Por que acabar com a festa do menino assim? - disse a mulher.

-Ele não respeita a minha religião? - disse Sérgio.

-E você não respeita os outros. - Cataria estava sentida, Sérgio não, nunca foi a sua igreja, porém todos haviam visitado a de Sérgio, Catarina ainda insistia em continuar divergente do marido, permanecia católica apostólica romana.

-Essa casa é minha, eu coloco o sustento aqui.

-Então vai colocar o sustento na puta que te pariu? - Sérgio teve um troço ao ouvir aquele palavrão vindo da boca da mulher como uma machadada de Satanás na sua testa, imediatamente teve uma dor no peito, a dor foi tanta que chamaram o resgate e ele foi para o PA, ficou lá de molho doze horas, a médica que o atendeu sem conversar, pediu eletro e exames, disse que se fosse enfarte morreria em 24 horas, porque o SUS estava sem recursos, mas felizmente não era.

-O que esses médicos têm, são todos assim? - perguntou ao Aderbal no café, falando do comportamento da médica.

-Tem uns que nem falam com a gente – disse o Aderbal solidário.

O incidente da filha foi pior, na época ela fazia um estagio em um banco popular, ganhava algum dinheiro. Sérgio era contra a menina trabalhar, porém não queria uma guerra com a mulher, um dia bem tarde foi ao quarto dela depois de ouvir um barulho estranho, como um gato miando, é bom que se diga que nessa época a menina tinha só quatorze anos, chegou de fininho para não acordar, sua surpresa foi tão grande que as pernas bambearam, a dor no peito voltou, uma tremura e quase o levou ao chão, só não caiu porque estava com muita raiva. O que viu foi:

Deitado do lado da menina um senhor de barba, que aparentava ser mais velho que Sérgio, abraçado com sua filha com os olhos fechadinhos sonhando com os anjos, em posição de conchinha.

Sérgio gritou.

-AHHH! Chama a policia! Quem é esse pedófilo na cama com minha filha?

-Que isso gente, que invasão é essa? - disse o barbudo ajeitando o lençol por cima do corpo.

-Pai que vergonha, Tadeu não é um pedófilo é meu namorado, sê não bate na porta? - disse a filha

-A meu Deus, esse é o sogrão? – disse o barbudo e depois de estender a mão completou - que prazerão, desculpe não levantar - Tadeu riu - é que estou pelado, minha bunda coça com cueca.

-Desde quando você dorme pelado na minha casa e com a minha filha?

-Desde que sua mulher deixou mês passado, antes a gente tava indo ao motel, só que estava ficando caro, ai tive uma conversa com a minha sogra, que mulher hein meu sogro? Compreensiva, nova, bonita, ela disse que podia ficar com a pituca aqui, que namoro certo é namoro em casa - ele coçava a barba e uma outra parte.

-Catarina sabe disso? - disse Sérgio quase gritando e gesticulando para a filha.

-Papai, deixa de ser “careta”, o Tadeu trabalha lá no banco, ele se divorciou a pouco, quero dizer que antes era pior pois ele era casado, nessa época só saí umas quatro vezes com ele, senti super culpada, sei lá? Nem tanto, pois a mulher dele era uma megera, você precisa vê? Aí o pituquinho ficou muito carente e a gente começou um lance, salvei ele de uma depressão pai, verdade Tadeu quase morreu.

Antes tivesse morrido, pensou Sérgio, o sangue subiu a cabeça, pois nunca tinha perdido a paciência a ponto de suas convicções religiosas irem para o espaço, retirou o Tadeu a ponta pés, e botou a filha de castigo. Isso rendeu outra conversa com a mulher.

-Catarina, você está interessada em saber com quem a nossa filha estava agarrada? Com um marmanjo, parecia o Ché Guevara, na fase geriátrica, inteiramente nu, em posição fetal, e você o que acha disso? Eles disseram que você permitiu, eu não acreditei...

-Sérgio, nós estamos em outros tempos, se não fizerem aqui, vão fazer em outro lugar e eu gosto do Tadeu, as ideias dele batem com as minhas.

-Fazer o quê, o que esses dois andaram fazendo?

-O que você acha que um homem e uma mulher fazem em baixo de um lençol gostoso?

-Quer dizer que ela já perdeu...?

-O ano passado com o Róger?

-Róger não, não Jesus eu trouxe o menino pra nossa casa, eu confiei no Róger, menininho de quatorze anos? Mais aquele rapaz não estava estudando para pastor?

Sérgio chorou a noite toda.

Tomava remédio controlado, três doses, mesmo não acreditando em médicos.

 

 

 

JJ DE SOUZA
Enviado por JJ DE SOUZA em 19/07/2013
Reeditado em 30/08/2013
Código do texto: T4394549
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