Reminiscências (Por Rachel Souza e Rafael Nazzareno)

Uma calcinha era tudo que restava, um quase nada! Pedaço de tecido gaurdador de memórias profundas e intensas,daquelas que dilaceram a alma em poucos segundos, daquelas que alagam e deixam seu pobre portador, inundado no lodaçal cruel das saudades de amor. Ahhh, calcinha vermelha com rendinha francesa e lacinho nas laterais,ali,bem ali,nas ancas ,pedindo para ser retirada com o requinte de um sommelier.

Guardava-a com todo cuidado e apreco num porta-j[oias, presente de sua avó materna, uma caixinha definitivamente especial,com chave e bailarinas dançando extasiadas ao som de uma valsa vienense,era só abri-la que o show se iniciava. Gugu chorava de emoção e ninava a pequena peca com a ternura de uma mãe ao embalar seu rebento recém-nascido. Levava-a ao encontro de suas narinas dilatadas e pulsantes e aspirava profundamente aquele perfume inebriante. Ela estava lá havia algum tempo, uns cinco meses,mas sua saudade ainda percebia o frescor de quando fora furtada de Márcia. Tentava em vão ocupar o espaço,a lacuna deixada pela relação intensa de um fim de semana. Gugu frequentava festas e baladas,lugar onde a conheceue instantaneamente se apaixonou perdidamente. Ela dançava como uma espanhola louca,sapateando e riscando seu salto 15 na pista de dança, o copo long drink repleto de Whisky ate a borda fazia-se de castanhola .Nada nela era discreto,sua presença afirmava-se perante as vistas turvas de Gugu que grudaram nos detalhes sórdidos de sua roupa,um pano milimetricamente recortado sob a influência da luxuria,vestido justo e revelador das carnes rijas. Batom vermelho-sangue e rosa amarela na cabeça contrastando com seu vestido de seda preto. Márcia alargou os gestos e expandiu num frenesi louco ao ritmo de uma musica que já nem mais escutava,era um transe psicodélico digno de um hippie dos anos 60 ao som de Pink Floyd. Gugu apertou as vistas cansadas,ajustou os óculos,suspendeu as calcas,sorveu sofregamente um copo de gim Tonica e pensou ."-Essa e minha! Não quero nem que Deus me ajude! "

Requebrou-se então,corajoso,ao encontro da expansiva dama , Sentia-se o próprio Nureyev no bale de Moscou ,desconjuntado em seus passos engatou um "ola,boa noite!" bem sucedido. Márcia,receptivamente abriu um sorriso em flor e abraçou –o freneticamente e, sem dizer uma palavra sequer,selou o encontro com um beijo ardente e fluídico. Alguns olhavam a cena de forma invejosa ,já outros com repulsa e asco. Um qualquer mais atirado, chegou a jogar água nos dois,que balançavam atados com as pernas enlaçadas e as mãos sedentas e buliçosas. Gugu sentiu o amor crescendo em seu peito e calças e, num rompante convidou-a para tomarem uma fresca no jardim, prontamente aceito por sua acompanhante. Roubou uma garrafa de guaraná e outra de whisky e rumaram ao paraíso. A penumbra oferecida pelo pé de jasmim era o cafofo dos pombinhos a arrulhar paixões lancinantes. Gugu jogou Márcia no pequeno canteiro e arrancou-lhe a flor do cabelo,logo em seguida tirou-lhe a calcinha e rolaram pelas folhas secas ao sabor de muito,muito guaraná. A paixão tinha o sabor doce e afrodisíaco. Foram felizes até Márcia levantar e tripudiar de seu desempenho sofrível .Acabrunhado, Gugu guardou a calcinha- souvenir no bolso e saiu da festa cabisbaixo,procurando no chão algo que fizesse algum sentido. Foi para casa e desde então sua vida parou naquele momento mágico.

Rachel Souza
Enviado por Rachel Souza em 09/04/2007
Reeditado em 10/04/2007
Código do texto: T443385