Nas nuvens

Meus amigos, estou namorando de novo e agora é pra valer! Tive uma de minhas maiores aventuras na vida. Fui nas nuvens e estou nelas, mas o causador disso nem me beijou para me provocar tal coisa.

Dia desses Dra Leila me convidou para assistir o exercício dos militares num quartel aí. A princípio, fui meio a contra-gosto, com má vontade, mas chegando lá, fiquei maravilhada com tudo.

Primeiro assisti à formação soldados no pátio, quando fazem exercícios de marcha antes de darem o dia de treinamento por encerrado. Um pelotão estava todo bonitinho em sentinela, esperando os comentários do sargento (ou capitão, sei lá...).

Um oficial grita: "Todos eretos!". Gente, eu comecei a ficar meio esquisita. Olhei para aqueles homens fardados e suados, cada um com mais de dois metros de altura – pelo menos foi como os vi naquela hora. Todos falavam grosso: “Sim, senhor! Não, senhor!”.

Caí de quatro pelos braços do chefão. Aquilo não era braço - era uma máquina mortífera! O Rambo não chegava aos pés... 

“Rambo” ordena: “Podem sair de forma!”. Todos pularam para a minha direção, gritaram “RÚ” e caminharam decididamente para mim. 

Pensei, neste momento, que eu era uma rainha que vivia nas nuvens, com meus servos vindo ao meu chamado: “Venham todos! Sim, senhor!!!”. Só que eles deram meia volta e foram embora. Nem olharam pra mim...

Decidi, então, ver o treino dos PQDT – os pára-quedistas. Pelo menos um deles poderia cair em cima de mim - quem sabe?... Fiquei ao lado do treinador enquanto ele se comunicava com os pássaros humanos lá no céu. Vi deuses fazendo manobras mirabolantes no ar. 

Pelo rádio o manda-chuva dizia para os saltadores:

"Back looping" – movimento de translação do corpo para trás.

"Front looping" – o oposto.

Para outro ele dizia:
"Touneau!". O lá de cima fazia rotação com o corpo como se fosse um feto.

"Posição de retardo! O moço, lá pertinho da nuvem, abria os braços e caía mais lento que os outros.

E, como que do nada, surgiu meu Deus Grego, o Juvenal. Ele vinha contra o sol e eu só conseguia enxergar seu vulto enorme, na posição de rã, descendo a uns 55m por segundo...

O comandante, ou seja lá o nome que se dá, obriga: "Posição de Dive!". O meu pássaro virou de cabeça pra baixo, colando os braços ao longo do corpo e veio que veio! 

Nesta hora lembrei do Sonho de Ícaro:
 
Dédalo, o pai de Ícaro, tirava uns trocados como artesão em Atenas. O rei mandou o coroa bolar um labirinto pra aprisionar o Minotauro e assim ele fez. Eu acho que o cara se sentiu meio enturmado com a nata da sociedade e fez a besteira de ajudar a filha do rei, Ariadne, a fugir com um tal de Teseu. Vai ver, o teseu era demais...

Minos, o rei, se emputeceu e mandou Dédalo e seu filho Ícaro para o quinto dos infernos, que naquela época era o próprio labirinto.

O artesão, para salvar Ícaro e a si mesmo, projetou asas com penas de aves e as colou em seus corpos para que voassem, mas recomendou que o idiota do filho não chegasse nem muito perto da água, nem perto do sol, para que a cola não se soltasse.

Claro que Ícaro, como todo bom filho da puta, se encantou com o sol e se dirigiu a ele, derretendo a cola das asas.

Dédalo, procurando seu filho no mar Egeu, só encontrou peninhas boiando. Ele ficou tão desolado que acabou indo para a Sicília e construiu um templo para Apollo, onde depositou os penachos do filho como oferenda, e fez uma reza forte para que Santos Dumont nascesse logo...

E lá vinha Juvenal de ponta-cabeça pra cima de mim, mas em poucos segundos já estava  flutuando como um albatroz na pista de pouso.

Soube que Juvenal dava aulas particulares de pára-quedismo e resolvi que eu queria ver o sol me derreter todinha... Eu tinha que voar e com Juvenal me ajudando!

Voltei pra casa e pedi permissão ao meu filho mais velho, mas este disse um não bem redondo:

- “Não, não, não! A senhora é muito velha e vai enfartar lá em cima!”.

- “Que isso, garoto! Vou enfartar é aqui contigo!”.

- “É perigoso, mãe!”.

- “Perigoso tanto quanto uma bala perdida, que eu posso levar na cara, quando vou ao bingo nos sábados com minhas amigas! Pelo menos morro acoplada a um Deus! Ele vai saltar comigo, cara!”.

- “Mãe, a senhora não vai ter coragem, nem estrutura!”.

- “Filho! Eu te pari! Há de convir que saiu de mim uma coisa 100 vezes maior do que normalmente entra!”.

- “Isso foi há 35 anos atrás, mami!”.

- “E parece que foi hoje, guri! Ainda sinto aquelas dores horrorosas! Eu quero voar!”.

- “Tá bom! Tá bom! Se depende do meu consentimento, arrume o macacão e faça o testamento...”.

Foi isso que eu fiz! Fiz curso, aprendi a colocar os equipamentos, a fazer evoluções no túnel do vento. Logo logo eu estava “na pista” com o Juvenal.

Detalhe sórdido: Ele falava muito mal, um português péssimo. De boca fechada (e que boca...) ele era perfeito. Se eu fosse fazer minha própria filmografia, diria que meu príncipe tinha:

- O corpo perfeito e a pele morena de Jeff Chandler, no filme Entre meus braços
- Os olhos penetrantes de Montgomery Cliff, em A um passo da eternidade
- Os traços marcantes de Tyrone Power, em A marca do zorro
- O jeito envolvente de Gary Cooper, em A felicidade bate à sua porta
- O ar romântico de Richard Chamberlain, em Os pássaros feridos
- Os lábios sedutores de Rock Hudson, em Labirinto das paixões
- O sorriso safado de Tom Selleck , em Magnum

Mas, como a maior parte do meu elenco acima dava uma de machão e não era chegada à coisa, prefiro correlacionar os dotes do meu instrutor ao andar avacalhado de John Wayne, em A Velha raposa, ou ao jeito debochado do Romário no último jogo...

- “Juvenal, eu estou com medo. Você me protege?”
- “Pode deixar, Dona. Tô aqui pro que der e vier!”.

Isso me deixou um pouco mais segura, porém mais excitada. Ele me amarrava toda com cintos e fivelas, me obrigando a abrir as pernas, e passava uma corda, ou sei lá o quê, entre elas. Eu estavba de olhos fechados, se é que me entendem... Depois me colocou os pára-quedas nas costas e deu um apertãozinho de leve - nada que doesse - sabem como é...

- “Ju (agora mais íntima), você me parece um cara muito experiente”.
- “A gente fazemos o que pudemos, Menô” (também mais íntimo).

Aquele jeito ignorante de ser, com aquele vocabulário incorreto, não combinava com aquele corpo. Parecia uma cabeça de mula pregada ao corpo de Victor Fasano.

Do avião ele me preparava para o salto. Olhava seriamente para mim, como se eu fosse a coisa mais importante da vida dele naquele momento - e era! Minha vida e a dele estariam entrelaçadas pelo menos por uns 15 segundos.

- “Você não terá tempo para o medo. Apenas olhe para baixo e aprecie a natureza. Deixe seu corpo voar e se porte como eu ensinei. Não se apavore. Eu estarei controlando tudo e vou deixar você direitinho no solo, da mesma forma que está aqui, porém mais bela e mais feliz”.

O Juvenal não errou palavra nenhuma desta vez! Ele incorporou alguma coisa e me falava como o homem que eu gostaria de ter ao meu lado pelo o resto da vida.

- “Dá pra ir devagar comigo no salto? Eu acho que vou me afobar”.
- “Pô, se você quer flutuar, deveria ter me pedido para eu ir mais alto, no espaço!”.
- “Tá bem! É agora ou nunca! Me bota nas nuvens!”.

Eu olhava a terra lá embaixo. Era como um tabuleiro de xadrez, e via nuvens gordinhas e branquinhas como algodão doce – Cumulus Nimbus.

- “Posso te empurrar sem poblema?”. 

O problema era o “poblema”... Sou ex-professora de literatura e aquilo me feria na carne.

- “Pode!” - disse eu, já preparada para ser lançada ao desconhecido.

Ao pular, senti o vento arreganhar a minha bochecha e fechei a boca. Ele estava grudado às minhas costas como uma tartaruga ninja e flexionou minha cabeça pra baixo. Em outras ocasiões isso seria uma técnica sexual das mais agradáveis, mas, ali, era um recurso para me manter respirando sem a pressão do vento, e que protegia minhas vértebras do pescoço.

Eu me vi num mundo impossível de se explicar. O ser humano está acostumado com a água e, se fosse no fundo do mar, saberiam a sensação, entretanto estar solta no ar nos dá poder e atração pelo perigo - como Ícaro. A adrenalina se mistura com aquela coisa que Dra Leila falou sobre endorfina e a gente fica como que embriagada. 

Gritei: “Aaaaaaai!”.

Ouvi meu anjo da guarda perguntando:
- “Tá passando mal?!”.

- “Não!!! Eu tô gozando!!!”.

Bem, amigos, eu não poderia deixar por menos e loguinho fiz um “contato imediato” com Juvenal em terra. 

Hoje ele me ensina manobras acrobáticas no meu leito, enquanto eu lhe ensino português e dicção... 

Beijão da Menô
http://www.clubedadonameno.com

 

Leila Marinho Lage
Enviado por Leila Marinho Lage em 20/04/2007
Reeditado em 08/12/2007
Código do texto: T456609
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