SONHEI, JURO QUE SONHEI ! . . . (02)

 
Eu tinha, aproximadamente, seis anos de idade. 
Morava de frente ao mar. 
À tardinha, depois de festejar o aniversário de um meu primo, saímos, os dois moleques, à procura de mariscos à beiramar. 
De repente, deparamo-nos com quase uma centena de tartaruguinhas que saíam das areias em direção à praia.
Ignorantes, ou melhor, inocentes, pegamos um daqueles filhotes e em torno do seu pequeno casco, ainda amolecido, amarramos um balão de aniversário (cheio de ar), com um cordão relativamente grosso.
Divertimo-nos, vendo-a, depois, arrastar-se com grande dificuldade, o vento levantando-a vez ou outra.
Mesmo assim, ela consegue entrar nas águas.
Vimos o balão distanciar-se pouco a pouco da beira da  praia, sobre as ondas, até estourar.  Nada mais vimos.  Até mesmo o plástico que restou sumiu de nossos olhos.  Fato consumado. 
. . . . . . . . . .
Assunto da escola no dia seguinte.
. . . . . . . . . .
Todos os colegas, igualmente inocentes, se divertiram bastante e prometeram experimentar a façanha.
Aí, ao saber do ocorrido, a professora nos repreendeu, veementemente. 
Disse-nos que, com essa brincadeirinha, havíamos cometido um crime, um enorme prejuízo à natureza.
Ensinou-nos que daquelas minúsculas tartarugas, as poucas que escaparem dos predadores percorrerão os oceanos (apontou-nos cinco circundando o mapa-mundi). 
Depois de trinta a quarenta anos de viagem por esses mares, elas retornam à mesma praia onde nasceram, exatamente para fazer as suas desovas.
. . . . . . . . . .
Fiquei impressionado com essa história, quase de amor e, de certo modo, triste por me considerarem um inescrupuloso predador.
O tempo passa, mas essa história nunca sairá de minha cabeça.
. . . . . . . . . .
Ontem, mais de meio século depois do meu crime ecológico, estive na mesma praia, onde passei o dia inteiro recordando-me intimamente do ocorrido, mas me divertindo com alguns amigos e familiares.
Até que cansei.  Precisava relaxar.
Cabeça protegida por um guarda-sol, deitei-me na areia e... adormeci.
. . . . . . . . . .
Sono profundo.  Sou bom de cama.  Sonhei...
. . . . . . . . . .
Sonhei que chegava ao meu lado uma enorme tartaruga.
E - impressionante - ela trazia amarrada em seu casco um grosso cordão . . .
. . . . . . . . . .
- "É ela.  É ela, sim. Escapou dos predadores.  Voltou para a desova!..." - gritava eu em meu sonho.
Para socorrê-la, tentei retirar o cordão que a envolvia.  Esforçava-me, mexia pra lá, mexia pra cá, e não conseguia . . .
. . . . . . . . . .
Aí - pra minha vergonha maior - despertei com a estrepitosa gargalhada dos que me cercavam.
É que o cordão do meu sonho era o laço, nas costas, do biquini de minha mulher, que acabara de deitar-se ao meu lado. 
. . . . . . . . . .
Striptease inoportuno, inesperado e indesejado.
. . . . . . . . . .
Tentei explicar, mas, até agora, minha mulher (e ninguém mais) acreditou que eu estivesse a sonhar.
Mas...
Mas eu sonhei, sim.  Juro que sonhei ! . . .