Vende fiado?

Aqui na cidade tem um vendedor de sorvete, o Zé Gelado, um tremendo pé frio, que não conseguindo trabalho algum, já que nada sabe fazer, dispos-se a ser vendedor ambulante. Sem capital, teve a idéia de fabricar uns sacolés açucarados e vender por cinqüenta centavos cada.

As vendas não foram muito bem e ele reduziu para trinta centavos. Vendia uns sacolés e passava as noites degustando uma única garrafa de cerveja, no bar.

Os marmanjos que o manjavam do bar combinaram de pedir fiado:

-E aí, Zé, vende fiado?

Zé Gelado ficava fulo da vida.

-Vai pedir fiado para a sua mãe, na zona!

Putz que falta de senso de humor. Zé Gelado ofendia pesado, mas ninguém se importava. Riam bastante da sua raiva. As gozações eram tantas que logo ele parou de ofender. Resignado escutava o eterno pedido:

- Vende fiado, Zé?

- Vendo não, corno – murmurava entredentes.

E assim, Zé Gelado fez a vida modesta vendendo sorvetes. O tempo passou e ele é um velho, mas continua com o negócio. Outro dia cruzei com ele na rua e repeti a pergunta:

- E aí, Zé, vende fiado?

Com surpresa escutei a resposta:

- Vendo sim. Qual o sabor? Morango, laranja, limão?

Arrisquei um de limão. E curioso, perguntei:

- Mas Zé, que novidade é essa? Você vendendo fiado?

- Pois é, tenho que acompanhar o comércio. Vender a crédito. Todo mundo vende, não é?

Sai dali com o sacolé na mão. Dei a primeira lambida e percebi que não tinha sabor algum.

Gritei para o Zé Gelado:

- Pombas, Zé, você me vendeu um pedaço de gelo!

Escutei ao longe:

- É gelo sim, seu corno. Quando você me pagar te dou um saquinho com o sabor em pó. E aí você pode engolir!

E, trinta anos se passaram e Zé Gelado continua sem senso de humor e ofendendo os clientes. Desse jeito não vai longe.