CONFISSÕES DE UMA HIPOCONDRÍACA

Hoje, acordei com uma incômoda dor no reto e fui logo pensando no pior: câncer. Levantei-me da cama devagar, prestando atenção se algum outro sintoma surgiria em seguida e tentei ponderar as possibilidades, chegando à conclusão que um câncer no reto não seria nada fácil de ser operado. Não foi difícil imaginar o médico me dando a notícia e prevendo alguns meses de vida. Me vi intoxicada por remédios, na luta pela sobrevivência, e perdendo a luta, numa morte lenta e dolorosa, deixando meus filhos órfãos de mãe, a chorar a minha falta.

Em meio a esses pensamentos, voltei para a cama e me deitei novamente, controlando as lágrimas. Sim, queria chorar pela minha própria morte... queria chorar pela falta que eu faria aos que amo... queria chorar pelo luto de mim mesma...

Tentei buscar em minhas lembranças quantas vezes não me senti assim antes. Ainda tenho na memória o dia em que entrei pela sala de emergência de um hospital, com suspeita de infarto. Oras, aquela dor no peito me incomodava por dias! Liguei para o meu médico e, como ele tinha me orientado a ir para um hospital imediatamente, segui o conselho sem titubear. O atendimento foi rápido, os exames foram procedidos e o diagnóstico final veio surpreendente: dor muscular! Voltei para casa com um analgésico na bolsa e a promessa feita a mim mesma de que não entraria em pânico à toa nunca mais em minha vida.

Cumpri a promessa? Claro que não! A começar pela angústia que ainda permaneceu por dias a me sufocar, pois a dor no peito persistia. Tanto insisti com meu médico, que fiz uma batelada de exames cardíacos, só para confirmar o diagnóstico feito no hospital. Estava tudo definitivamente bem com meu coração e eu passei a respirar aliviada...

Pelo menos até aquela dor no seio direito aparecer, me aterrorizando. Com certeza, não poderia deixar passar, fui logo ao médico. Não queria morrer com um câncer de mama como a Linda McCartney, por mais que eu gostasse dela e seja fã número um do Paul... Não, não, sou muito jovem e tenho filhos, não posso brincar com essas dores que aparecem de vez em quando, afinal, como posso saber quando é realmente uma doença séria?

Marquei consulta, conversei com o médico e fiz uma mamografia... aquele exame horroroso, onde a gente coloca o peito numa máquina que tem a intenção maldosa de sugar nosso peito, mastigá-lo e cuspi-lo fora. Tudo bem, exames nunca são agradáveis, apesar de não serem nada comparados a estar doente, e prefiro fazer todos os exames doloridos do mundo, do que ter uma doença sem cura, mas aquela máquina amassadora de seios, convenhamos! Bem, só espero não adquirir um câncer de tanto me submeter a raios-X, ressonâncias e ultrassonografias, é só o que me falta!

Depois de alguns dias, o resultado: meu peito está perfeito e saudável. Esqueci-me da dor, que foi-se embora por sí só.

Nem havia me recuperado desse trauma, me vieram as dores de cabeça... Do lado esquerdo! E eu até sentia meu rosto paralisar de vez em quando. Voltei ao médico e, nem sei porque, ele me recebeu com um sorriso faceiro... Me senti ridícula voltando lá com um problema diferente depois de tão pouco tempo em que meu seio parecia cair de dor, mas tinha de ir e confessar meus novos medos. O meu médico é como se fosse meu melhor amigo...

Dores de cabeça! Ele testou meus reflexos, todos aparentemente bons, e solicitou uma ressonância magnética com contraste... Nunca tinha feito uma! O nome em sí me assustava. “Que bom”, pensei “é sempre bom saber como anda nosso cérebro, afinal um tumor cerebral pode ser fatal”. Eu estava nervosa no dia do exame, nem sei se por causa do contraste que iria tomar na veia ou se era a expectativa do resultado, que saiu dois dias depois: uma sinusite e desvio do septo nasal... “Vou sobreviver!”

Ainda tive a suspeita (minha suspeita) de leucemia, pois meu pai morreu por causa dessa doença e eu adquiri os sintomas para mim mesma. Fiz os exames, e nada. Aliás, meu pai, que Deus o tenha, também era hipocondríaco e me vejo repetindo uma de suas frases célebres: “só eu sei o que estou sentindo...” Nunca esquecerei o dia em que ele tomou xarope de groselha que encontrou na geladeira, achando que iria acabar com sua tosse. Ele era mesmo um personagem engraçado, tal como eu me tornei, bem como todos os outros hipocondríacos do planeta.

E quanto as dores nos ossos? Sim, sim, lembro bem. Fiz os exames para saber se tinha reumatismo e... adivinha? Nada! E também o tremor pelo corpo, nossa, pensei que tinha um mal de Parkinson, mas era apenas ansiedade.

A cada suspeita de doença, sofro e choro a minha morte e a cada exame com resultado negativo, vem o alívio quase que inacreditável (chego a perguntar ao médico “tem certeza?”). E com esse alívio, ganho nova vida e a esperança de viver até meus noventa anos, tal qual minha avó viveu. Vou assim, morrendo e ressuscitando, de tempos em tempos.

Dessa vez, a dor no reto. Preocupante! Mas ao lembrar de todas as doenças que pensei ter e que não tinha, ganhei alguma força para levantar da cama, enxugar as lágrimas e ligar para meu médico. Tenho que ver do que se trata e espero que seja apenas uma hemorróida.