SALVO POR UMA LETRA

SALVO POR UMA LETRA

Valentino vivia a vida que sempre sonhara: jogo de baralho, bailes, bebidas, namoradas... De trabalho, nada!

Certa vez foi convidado por um amigo para uma festa em Piranga. Como ele morava em Calambau, foi fácil aceitar o convite. Naquele tempo, na década de 50, o percurso era feito na maioria das vezes a cavalo. A festa foi um sucesso. E foi lá que o Valentino conheceu a Valdemira e por ela apaixonou-se. A partir daí, a ida a Piranga tornou-se constante. A visita à casa da namorada, o conhecimento de sua família e amigos, tudo isso ficou fazendo parte da vida do Valentino.

O tempo foi passando e os dois resolveram partir para o casamento. Quando o Lucrécio, pai da Valdemira, ficou sabendo da intenção dos dois, resolveu fazer uma investigação da vida do pretenso noivo. O Lucrécio tinha um compadre em Calambau e, melhor informante não poderia existir. Além de compadre, ele era também seu companheiro de pescaria nos rios Piranga e Xopotó. A pescaria era a paixão do Lucrécio. Então ele resolveu escrever uma carta ao compadre, solicitando-lhe informações sobre o Valentino. Depois da carta escrita, o Valentino ficou em dúvida: seria enviada pelo correio ou ele faria um portador a Calambau? A opção foi a segunda, pois seria mais rápida. Naquele tempo, as correspondências eram enviadas para Calambau, em dias alternados, pelos estafetas Domingos Pontel em sua charrete, ou Antônio Correio, a cavalo.

O escolhido para transportar a carta foi o Felipe Santinho, morador do Logradouro, bairro de Piranga, acostumado a levar recados para Porto Firme, Senhora de Oliveira e até Guaraciaba. Todo o trajeto era feito a pé. Em um domingo, o Felipe partiu bem cedo para Calambau levando a carta . Por volta do meio dia, já estando próximo do seu destino, resolveu parar no boteco do Raimundo Caboré, para tomar um bom gole da branquinha e limpar a “poeira da goela”, como diziam. Feito isso, acabou de chegar a Calambau, procurou o compadre do Lucrécio e entregou-lhe a carta.

Enquanto o “compadre” lia a carta e providenciava a resposta, o Felipe dava uma uma volta pela cidade, provando nos bares as famosas cachaças de Calambau .

Depois de certo tempo, o Felipe, já com a carta resposta, voltava para Piranga. Logo que saiu de Calambau, resolveu dar mais uma passadinha no boteco do Caboré, para tomar a “saideira ”. Chegou, pediu uma “talagada caprichada”, tomou e não deixou nada para o santo.

Justamente nessa hora chegou o Valentino que por ali passava, pois também apreciava a “branquinha”. Valentino cumprimentou a todos e começou a conversar com Felipe. Este já sob o efeito das pingas tomadas, contou-lhe que era de Piranga e viera a Calambau trazer uma carta para um compadre do Lucrécio. Valentino passou a interessar-se pela conversa e pediu mais umas pingas para os dois. Depois de um certo tempo, Felipe arriou-se por completo e Valentino, aproveitando a oportunidade, abriu a bolsa de couro do Felipe e viu o envelope endereçado ao seu futuro sogro. Com jeito, abriu o envelope e viu o que continha na carta. Nela o compadre relatava ao Lucrécio as suas impressões sobre o futuro noivo de sua filha. Era mais ou menos o seguinte:- “O seu futuro genro, meu compadre, é um indivíduo preguiçoso, gosta de tomar umas pingas, de jogar baralho, mulherengo, mentiroso...” E, no final da carta, dizia: Por tudo o que relatei devo dizer-lhe de coração: ELE É UM GRANDE PECADOR!

Valentino ficou meditando o que iria fazer. Sabedor de que o futuro sogro era apaixonado por uma pescaria, vislumbrou uma forma de amenizar a situação. Pediu ao Raimundo Caboré uma caneta e, aproveitando um pequeno espaço entre o E e o C da palavra pecador, acrescentou um S, transformando a palavra em PESCADOR. O envelope foi fechado e colocado na bolsa.

Quando o Felipe acordou, lá pelas 4 horas, tomou o rumo de Piranga.

E Lucrécio, logo que acabou de ler a carta, disse em voz alta: “Ele pode ser o que for, mas se é um grande pescador será uma ótima companhia para mim”.

Valentino ficou noivo, casou-se com a Valdemira e vive muito feliz em sua companhia.

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Murilo Vidigal Carneiro

Calambau, julho/2014

murilo de calambau
Enviado por murilo de calambau em 25/08/2014
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