O ingênuo Ricardinho
 
Ricardinho, era um rapaz comum. Nem feio, nem bonito. Nem gordo, nem magro. Nem alto, nem baixo. Nada de especial.
Vivia em busca de um romance, uma paixãozinha destas para esquentar os pés debaixo do cobertor em tardes frias de domingo.
Assim, conheceu Regininha, uma mulher que se achava descolada e era muito preocupada com as unhas e com as gordurinhas que grudavam bravamente aos quadris ossudos para lá de magros.
Juntos fizeram juras de amor eterno. Enquanto durasse, era óbvio. E no meio dos beijos e falas com vozinha de criança, Regininha teve uma brilhante ideia e uma vez decidida a envolver o mais novo e vigésimo sexto namorado, lançou a sorte para o tolo e indefeso Ricardinho

- Ai, Ricardinho, eu quero uma relação aberta, sabe? Do tipo que a gente pode falar tudo. O que você acha, meu amor?
- Tudo?
- Sim. Tudo. Tudo o que você quiser.
- Até a verdade?
- Ah, bobinho, até a verdade, meu tchutchuco.
- Tem certeza?
- Claro que tenho, por que tanta pergunta, meu fofucho?
- É que falar o que se pensa às vezes magoa, lindinha.
- Não é o meu caso, meu dengo. Eu lido bem com a verdade. E depois, não tem relacionamento onde um esconde coisas do outro, meu ursinho. Pode falar o que tiver vontade!
- Veja lá... estamos começando a namorar agora, não quero que você fique chateada, minha princesa
- Por isso mesmo, meu amor. Eu acho que temos que ser igual ao Beto e a Cléia!
- Quem?
- Aquele casal maravilhoso da novela, seu bobo! Eles falam tudo. O que pensam, querem, acham, o que gostaria que o outro fizesse ou mudasse. Até da cor do cabelo dela ele reclamou outro dia.
- Sei... Bem... eu sempre achei isto, mas nunca encontrei alguém que pensasse igual.
- Isto gora mudou, meu fofinho. Você pode dizer tudo e qualquer coisa para mim e eu vou fazer o mesmo! Combinado?
- Se você diz que eu posso falar, tá bom para mim.
- Tem alguma coisa sobre mim que você queira falar, amoreco? Qualquer coisa que você não goste ou queira que eu mude?
- Ah, sim. Tem sim.
- Sério? O que?
- Primeiro, você é linda!
- Ah, que meigo!
- É sério! Lindona. E inteligente.
- Jura?
- Claro! E é simpática.
- Que amor, você!
- E também muito resolvida, o que é raro.
- Ah, fala sério, Ricardinho! Assim você me deixa vermelha. Deve ter alguma coisa em mim que não é tão boa, que podia melhorar!
- Bem...
- O quê? Tem?
- Eu não ia falar nada, mas...
- Mas? Mas o quê? Tem? Então, tem! Eu sabia!
- Olha, assim, numa boa mesmo. Sendo bem sincero... Este seu cabelo tá bem ruim.
- Sério? Ufa! Ainda bem que você falou. Viu como é bom ser franco? Eu estava pensando em mudar mesmo e já que você não gosta, amanhã mesmo eu mudo!
- Que bom, querida! Tem mais uma coisa...
- O que foi agora?
- A roupa... Tá estranha. Podia ter menos cor, menos penduricalho...
- Tá bom., eu troco! Nem estava combinando com o sapato mesmo!
- Pois é... Tem isso também...
- Isso o quê?
- O sapato. Que coisa este sapato! Na boa, era da sua avó?
- Como assim? O que tem de errado com ele?
- Errado, errado... não tem nada. Mas é feio que dói! Foi doação?
- TÁ! JÁ ENTENDI. VOU TROCAR TAMBÉM!
- Então... aproveitando que vai trocar o sapato...
- TEM MAIS ALGUMA COISA QUE VOCÊ NÃO GOSTA EM MIM, RICARDINHO? TEM?
- Eu nem ia comentar, mas...
- MAS AGORA VAI FALAR!
- Pois é...Você bem que podia cortar as unhas dos pés de vez em quando. Nada assim muito radical, só para que elas parem de enrolar sobre os dedos... se é que me entende...
- Como assim? Desde quando minhas unhas estão grandes?
- Olha, pelo tamanho deve ser desde 1999.
- EU CORTO TODA SEMANA!
- Certo. Bem...Não vamos discutir por isso, quem olha para os pés, não é mesmo? Já as mãos...
- O QUE TEM? O QUE FOI AGORA? O QUE TEM DE ERRADO COM AS MINHAS MÃOS SR. RICARDO?
- Nada. Coisa boba mesmo. Nem tinha notado, mas já que você falou...
- FALA LOGO, DESEMBUCHA!
- Então... Você tem assim uns dedos meio nodosos e as unhas são curtas demais. E tem um pelos escuros...O conjunto até não é feio se elas não fossem ásperas e grandes demais. Não são proporcionais aos braços, sabia?
- NÃO! NÃO SABIA!
- Mas os braços a gente dá um jeito, ainda mais agora que você está engordando!
- EU NÃO TÔ ENGORDANDO!
- Ah, tá! Desculpe, é que vi este volume aí na frente e pensei que era barriga, mas podem ser os seios também né... na altura do umbigo... o que nem é tão ruim... De verdade? Até acho interessante uns seios assim caídos...
- COMO ASSIM SEIOS CAÌDOS?
- Mas isto tudo não tem importância. Você é lindona de qualquer jeito.
- AH! EU SOU LINDA É? SEU MENTIROSO, CARA DE PAU! FALA TUDO ISSO AQUI, OLHO NO OLHO, PERTO DE MIM!!!
- Olha, eu até poderia falar pertinho e nem ia comentar nada, mas já que você tocou no assunto... Falar de perto não dá, não. Beijar vai ser um problema... sabe como é... o hálito...
- AHHHHHHHH!!! SEU CACHORRO, METIDO, RIDÍCULO! ONDE JÁ SE VIU FALAR ESTAS COISAS PARA UMA MULHER! AINDA MAIS PARA SUA NAMORADA!!! IMAGINA QUE CONTINUARIA COM UM TIPINHO COMO VOCÊ. E EU AQUI ACHANDO QUE VOCÊ ERA O HOMEM DA MINHA VIDA!
- Mas querida...
- QUERIDA VAI SER A MINHA MÃO NA SUA CARA, SEU IMBECIL! SUMA DAQUI, CAFAJESTE!

E assim lá se foi Ricardinho, mais um homem que acreditou que podia falar a verdade para uma mulher que o chamava de Fofucho e que acreditava que a coisa mais importante do mundo era a perfeição dos cabelos.
Edeni Mendes da Rocha
Enviado por Edeni Mendes da Rocha em 02/12/2014
Reeditado em 02/12/2014
Código do texto: T5056069
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