A alternativa

A ALTERNATIVA
Miguel Carqueija


A situação nos Estados Unidos não estava nada boa. A violência urbana, o terrorismo e os habituais monstros e super-vilões estavam á solta, e nessa hora crítica não se podia contar com os super-heróis, por diversos motivos:
O Super-Homem fôra internado na UTI, por conta de uma cryptonicite aguda.
O Batman pegara osteoporose, e já não podia ficar pulando em bat-cordas pelos prédios.
A Mulher Maravilha estava reumática, igualmente impedida de agir.
O Aquaman se afogara.
O Homem de Ferro tinha enferrujado.
O Homem Aranha se arrebentara todo numa queda, porque a sua teia havia rompido.
O Flash, por conta de sua super-velocidade, caíra de um abismo que não vira a tempo.
O Capitão América estava recolhido a uma casa de repouso. Também pudera...
Bruce Banner fizera uma psicoterapia e agora se mantinha sempre calmo, sendo impossível voltar a se transformar no Hulk.
Diante dessa situação calamitosa o Presidente dos Estados Unidos examinava agora, a contragosto, a sugestão de um dos seus assessores, de pedir ao Japão, emprestada, a sua principal super-heroína, a Sailor Moon. O chefe de estado, porém, estava cheio de dúvidas e as apresentou ao assessor:
— Não é que eu seja machista, não... mas... uma menina? E será que, sozinha, ela dará conta da emergência?
— Senhor Presidente, ela não estará sozinha, tem toda uma equipe de marinheiras-guerreiras que a acompanham. Elas praticamente igualam o número de nossos principais super-heróis. Tem a Sailor Marte, a Júpiter, a Vênus, a Mercúrio...
— Bem, mas eu estive examinando o dossiê delas e achei tudo muito estranho. Por exemplo, essa Sailor Moon não bate em ninguém, não xinga, não chama ninguém de maldito. Pior: ela discursa para os vilões, tentando convencê-los a se emendarem. Onde é que já se viu isso? Um super-herói tem que arrebentar com os inimigos!
— Talvez seja a hora de variar um pouco os métodos através de uma heroína “soft” — disse o outro, pouco à vontade.
— Outra coisa estranha são os poderes dessa Sailor Moon. Não são científicos como os do Super-Homem nem tecnológicos como os do Batman. São poderes inexplicáveis.
— Sim, pelo que consta são poderes místicos ou sobrenaturais...
— E é aí que a coisa complica. Do jeito que nós, aqui na América, somos materialistas, como é que vamos poder aceitar uma heroína mística?
— Não sei se temos melhor alternativa, Senhor Presidente. O outro nome cogitado foi o Chapolin Colorado...
— Está bem! Está bem! Pode chamar a Sailor Moon e sua equipe! Mas será que uma pessoa de modos tão delicados e doces vai dar conta de uma barra tão pesada como a que temos aqui nos USA?
— Senhor Presidente, o que eu posso dizer é que, pelas informações que eu tenho, a Sailor Moon é infalível e, além do mais, ao contrário dos nossos super-heróis ela não possui pontos fracos.
O Presidente suspirou e recostou-se no espaldar da poltrona. O mundo estava virado, mesmo. Sailor Moon representava uma guinada de 180 graus em relação à mentalidade dos super-heróis até então conhecidos nos Estados Unidos. Não agressiva, violenta, desbocada e raivosa, mas doce, amorosa, inocente e filosófica... seria possível aceitar uma heroína assim?



(Rio de Janeiro, 15 de dezembro de 2014)


Os super-heróis norte-americanos citados são propriedade das editoras DC e Marvel. Chapolin (mexicano) criado por Roberto Gomes Bolaños. Sailor Moon criada por Naoko Takeushi.
imagem do filme "A promessa da rosa" (Sailor Moon invoca o poder do "sagrado cristal de prata")
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