O BILHETE

Jairo introjetava um comportamento anarquista, aparentemente inócuo embora fosse proletário com desejos e sonhos de um burguês capitalista. Nunca confidenciou isto a ninguém. Era um hedonista introspectado e não tinha boca pra nada.

Seu trabalho há muito tempo numa repartição pública já tinha seu traçado definido e certo, com cargos e salários programados. Ganhava bem, mas odiava sua chefa.

Aquela figura mesquinha, esquelética de raros fios de cabelo, caolha atrás de um fundo de garrafa sustentada por uma armação ensebada, limitada em conhecimentos, veio única e exclusivamente a este mundo para perturbar e atazanar a vida do Jairo.

Muito a contra gosto, como proletário Jairo era metódico, organizado e conhecedor profundo de seu trabalho; aos poucos ia conquistando posições e certamente em pouco tempo desbancaria a figura medonha e cruel do seu chefe. Em algumas datas, estrategicamente mandava flores, mas a bem da verdade gostaria de estar mandando uma bomba.

Para ele sua existência era um desastre em casa e no trabalho. Permanecia sempre calado, obediente e triste. Duas mulheres, sem medidas impiedosamente esmagando-o. A maneira burguesa de viver de sua mulher obrigava-o a ser um proletário a contra gosto. Embora vulgar, feia, sempre exigindo futilidades, era ela que nas noites de invernia medonha aquecia seu corpo para um sono de sonhos bonitos. Por outro lado sua chefa determinava e cobrava sua condição de proletário. Ele era a obediência e a passividade em pessoa, mas se corroendo em ódio por dentro.

- Você deve fazer isto; apresentar-me aquilo; se não fizer vou prejudicar você nas promoções; vou abrir um processo administrativo. Lá ia, dia após dia aquela morfética mulher infernizando a vida do Jairo. No fundo´no fundo, a sua maneira, ela amava aquele mocetão. Ela era o avesso dele. Mas o Jairo, pacientemente, calado, carregava mal equilibrada a sua pesada cruz, sendo açoitado, escarrado, sangrado, ouvindo a maldita maitaca grunhir. Ele dependia dela para ganhar suas promoções, e ganhar mais e mais para sustentar sua maldita vida de burguês.

- Ah! Se um dia eu ganhar na loteria! Pensava o Jairo hedonista na ânsia de querer quebrar os grilhões que o prendia àquela vida proletária. Mandarei este urubu nojento para aquele lugar, continuava o Jairo perdido em seus pensamentos. Arrancarei suas calças e darei umas tapas em sua bunda pelada e cuspirei naquele lugar. No final do expediente defecarei em sua mesa e urinarei em cada uma de suas gavetas. Escreverei impropérios e me masturbarei na frente dela.

Pensava feito um louco o Jairo anarquista com um sorriso maroto no canto da boca olhando de esguelha aquele monte de ossos que ordenava, ordenava, sem parar, coisas e mais coisas para ele. ‘

- Hi, hi, hi, surprendeu-se de repente rindo alto, coisa que nunca tinha feito antes. Disfarçou, olhando de um lado para outro preocupado.

- Esta maldita mulher está me deixando louco, continuou ele perdido em seus pensamentos macabros. Separo-me da mulher, continuou ele. Dou a casa para ela e desapareço no mundo.

- Se eu ganhar farei exatamente isto! Pensou.

Conferia religiosamente todas as quartas e sábados as suas apostas.

Era uma quarta feira cinzenta e chuvosa. O vento sulino açoitava impiedosamente o rosto descoberto. Jairo conferia, pelo rádio, os números como sempre fazia, e de repente, quase teve um ataque cardíaco. O rádio chiava informando os números. O primeiro número, o segundo, terceiro, quarto, quinto e sufocado, tremendo, quase morrendo em desmaio, o sexto número. Ganhei! Ganhei! Gritou alto para dentro para ninguém escutar.

Chegou a casa, ligou o rádio e ouviu:

- Apenas um ganhador de... E afoito, desesperado, com o coração acelerado não esperou o locutor falar de onde, já sabia; era dali, era dele é claro.

Naquela noite, por uma insignificância qualquer aos berros bateu na mulher e chamou o advogado para redigir a separação. Não quis nada, deu tudo para ela. Foi a primeira noite que não dormia abraçado a ela para ter seus lindos sonhos. Seus sonhos já eram realidade.

De bar em bar esperou ansioso o dia amanhecer.

Todo mundo estranhou, pois foi a primeira vez, em tantos anos, que chegava atrasado à repartição todo desalinhado. Os olhos esbugalhados denotavam o sono não dormido.

Sentou-se a sua mesa como se nada tivesse acontecido para furor da sua chefa que veio pronta para lhe dar o esculacho.

Quando ela iniciou a vociferação ele agora já alforriado alucinadamente despejou e cumpriu tudo o que tinha imaginado. Xingou-a de puta, vaca esquelética. Grudou-a facilmente, e a vista do público atônito presente, arrancou-lhe as calcinhas cuspindo na bunda dela. Subiu em cima da mesa, arriando as calças, emporcalhou de merda papeis e outros apetrechos que sua chefa tinha. E por fim, ali em cima da mesa, de pé a sua frente, com as calças arriadas até aos joelhos parecendo um libertino se masturbou doidamente.

Antes que a policia chegasse, abriu corredor entre a multidão estupefata e saiu a passos lentos e seguro para a rua. Foi até a caixa econômica para sacar um dinheiro, colocar o restante na poupança e sair pelo mundo.

- Puta que o pariu! Isto não é possível! Gritava feito um doido conferindo o resultado. Quase morreu. Tinha chegado um pouco antes da polícia que estava em seu encalço. Foi preso em camisa de força e levado para o manicômio.

Acertou ele e mais um montão de sonhadores apenas os cinco primeiros números dos seis da mega sena que deveria acertar.

O jornal do dia seguinte estampava seu rosto com uma manchete bombástica dizendo: - Funcionário louco defeca e se masturba na frente da chefa.

Mario dos Santos Lima
Enviado por Mario dos Santos Lima em 16/02/2015
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