O FRACASSO TEM NOME

Acordei com uma baita sensação gostosa. O ato de dormir por si só já é algo maravilhoso. No entanto, dessa vez a sensação era de um leve mormaço nas minhas coxas. Mesmo não tendo acordado de todo, percebi que na verdade aquele calor era mijo. Ouvi uma voz doce e suave, quase etérea me chamando. Só podia ser a minha mãe, esbanjando carinho para com seu filho (eu) sonolento.

- Acorda, peste! Tá pensando que é filho de rico!?

Diante dessa grande prova de amor materno, me levanto da minha cama, que por sinal rangia mais do que dobradiça mal lubrificada. Ainda com os olhos fechados e cambaleando de sono, levantei e fui dar aquela mijada matinal. Meu sono era tanto que 80% da urina foi parar no chão do banheiro.

Caminhando igual um zumbi esclerosado, fui até a cozinha a fim de ver se tinha alguma coisa para o desjejum. Reparei que não havia nada em cima da mesa, logo, verifiquei o armário. Senti labaredas percorrendo a minha espinha, e em meio a dor lancinante olhei por sobre o ombro e tive uma visão do inferno. Minha mãe estava parada atrás de mim segurando o cinto de meu pai. Outra rajada de dor me envolveu.

- Um bicho réi desse tamanho mijando na cama, már menino! Vo-cê vai a-pren-der, ca-bra sa-fa-do!

Para meu azar, minha mae me bate soletrando.

- Agora cuide ir comprar margarina lá na budega.

- Certo, mainha – respondi.

Imediatamente, e com medo de levar outra chibatada, peguei a jumenta da minha mãe (epa) e fui até a budega de Seu Antoin. Pra quem não sabe, quando bate sete horas da manhã no nordeste já tem a temperatura de 29° na sombra. Pra você ter uma ideia, os calangos andavam de skate, porque tinham medo de queimar o bucho no chão quente. Nesse quadro tão depressivo, eu, igual um miserável fui andando no lombo da jumenta, que por sinal duro que só a gota serena.

Pra piorar a minha situação, a desgramada da jumenta da minha mãe, se inventou de empacar, logo no meio do caminho. A fia da gota serena dava cada pulo que meu fígado trocou de lugar com o célebro. Se você acha que não pode piorar, você tá muito enganado, pois naquele meio tempo vinham umas boyzinha que ia pra escola. E pra eu tomar no boga de vez, a Bastiana, a menina mais bonita do sítio, que eu amo de paixão, vinha cum elas.

- O que tá fazendo em cima dessa jumenta, Severino?

Nem soube o que responder, pois de tanta vergonha parecia que minha mãe tava apertando minha goela.

- Ééé... Po-po...

E foi desse mesmo jeito. Não consegui falar nada que preste. Me lasquei, pois agora a Bastiana ia ficar pensando que eu sou um sequelado. Quando finalmente consegui controlar a fia da pesta da jumenta, tomei o rumo da budega. Pedi a margarina e mandei botar na conta de mainha.

Depois subi na jumenta, e peguei o caminho de casa. Quando chego lá, percebo que minha mãe tá botando o meu colchão pra secar na calçada. Como se meu dia já não fosse uma merda, agora eu ia passar vergonha, pois os menino do sítio ia ver minha vergonha.

Entrei pra dentro (ou pra fora) de casa e dei de cara com um baitola. Não que eu tenha algo contra, mas ter que conviver com um é foda. Cheguei e falei.

- Bença pai.

- Deuzabençoe, meu filho.

Fui procurar algo pra comer. Percebi que minha mãe havia preparado flocos de milho vaporizados, ou seja, cuscuiz. Enchi o prato, pra terminar a delicia, esquentei um resto de galinha cozinhada e passei o molho por cima do cuscuiz, finalizado com um delicioso e magnifico....pé de galinha.

Depois que comi, tomei banho (que consiste em molhar os pés) e me vesti especialmente pra ir à escola. Sai de casa totalmente aperriado, já estava atrasado. Se pelo menos a jumenta não tivesse empacado, eu já tava na escola. Peguei a lancheira e fui mimbora. Sorte minha que mãe não estava em casa, senão era bem capaz dela me pegar na chibata de novo.

Quando cheguei na escola, já era quase a hora da merenda. Nisso, vi que o porteiro certamente não me deixaria entrar, mas eu não perdia nada indo falar com ele. De repente, desenvolvi uma idéia mirabolante dentro da minha cabeça. Eu iria pular o muro e entrar de fininho. Não teve outra, arrudiei a escola e olhei o dito cujo que eu iria pular, cerca de dois metros e meio de tijolo chapiscado. Para minha sorte, tinha um buraco pra apoiar meu pé. Peguei impulso e me segurei no alto do muro, afinal, eu já estava acostumado a esse ato.

Uma vez do lado de dentro, fui direto ver o que tinha pra merenda. Parece que só nasci pra me lascar, porque o Pedin me falou que pela falta de água, não ia ter merenda. Na verdade era mentira, porque da cozinha vinha um cheirinho tão bom nesse mundo, que me fez babar igual um cachorro com raiva.

Aí o sinal tocou. Foi aquela ruma de menino réi esfomeado vindo de tudo que é canto. Eu nem tinha dado cinco passo na direção da cantina, e no mínimo, por baixo, a fila tinha uma meia légua de comprimento. Antes que chegasse mais gente, me espremi lá dentro da fila, eu tinha o costume de furar fila. Nesse intento levei uma bofetada nas minhas ventas que voltei pro meu canto. Eu quase que não aguentava o povo se esfregando ni mim, aquela catinga de subaco quase tava me sufocando, eu tava ficando sem “forgo”. Arrastado pela multidão, finalmente peguei meu pratin de sopa de letrinhas e fui comer sentadin nos banco. Eu já não tava aguantando mais aquele sufoco da fila.

A (abençoada) merendeira tinha colocado um pedaço de osso corredor na minha sopa. Dei o maior valor, aquilo era um verdadeiro manjar. Pra poder retirar o tutano do osso, é preciso bater com ele em algo duro, e não tendo nada assim em mãos, decidi apelar. Bati com o osso no banco mesmo, tinha começado a sair o tutano. Mas pela décima batida, o desgramado do osso escorregou da minha mão e foi parar a uns cinco metros de mim, onde um cachorro prontamente o abocanhou.

- Lobinho! Cachorro miseráve! – gritei feito um abestalhado.

A Bastiana veio e sentou bem pertin de mim. Eita menina cheirosa aquela, viu? Parecia aquele “prefume” francês, o “Afazema”. Cheirei o ar e quase fico mais doido que o cheira-cola que tá escrevinhando isso.

- Oi Severino, rô me sentar aqui, viu?

- Tá bom, Bastiana.

Meu “estrombago” começou a dar uns solavanco. Parecia querer falar comigo. “Ghrhherhfghrgehgrhegr”, dizia ele. Claro que aquilo era por causa da minha paixonite que tava ali perto de mim. Ela abriu a sua lancheira. Tinha aquele sógadin bem gostosin, o doritos e um refrigerante.

- O que você trouxe, Severino?

Abri minha lancheira a fim de verificar qual delicia minha mãe havia posto pra mim. Enfiei minha mão lá dentro e para minha desgraça, ela trouxe um penca de banana. “Oxente mainha, que negócio é esse? Nan”, pensei. Fiquei morto de vergonha. Felizmente, a Bastiana até me pediu uma banana, que eu prontamente dei, e ela me ofereceu um pouco do sógadin. Ela me disse que a prefessora não tinha vindo. Fiquei todo animado, pois poderia ir mimbora pra casa logo. Grhhgekjghfgehgrghg, disse novamente o meu estrombago.

Fui acometido de uma dor na região inferior do envoltório dos intestinos, traduzindo, no pé do bucho. Então eu soube que eu estava prestes a ter uma caganeira daquelas. Misturando o cuscuiz do café da manhã, a sopa e as banana com salgadinho, era certo de que não ia dar em boa coisa.

Peguei minhas coisas e pisei pra casa quando comecei a soltar umas bufa. Aí eu já sabia que tinha que correr mais do que o Usain Bolt.

Continua...

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Francisco Tavares
Enviado por Francisco Tavares em 14/09/2015
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