O FRACASSO TEM NOME Pt. 2

Correndo mais do que uma velha pra tirar os panos do varal quando sente a chuva chegando, dei uma carreira tão grande que metade do solado da minha “chinela” tava acabado. Verifiquei a marca da “chinela”. As Baianas, dizia a marca. Até meu calçado era do Paraguai. A minha barriga não parava de fazer zuada. Parecia um bêbado querendo inguiar. Todo aquele fuzuê só podia dizer uma coisa: corre, corre que aí vem merda, e não é pouca.

Eu já ia na metade do caminho pra casa, quando não pude mais segurar. Pressentindo a iminente merda (literalmente) que ia acontecer, procurei logo por uma moita bem verde mesmo pra fazer meu serviço. Depois de cinco minutos que pareceram horas, finalmente achei uma moita digna, embora eu não precisasse de grande coisa. Eu já não tava aguentando mais. Minha barriga tava que parecia uma “preda” de tão dura. Eu tava com medo até de tossir, senão a bagunça ia ser de lascar.

Arriei as calça ali mermo e foi aquela lasquera. A merda desceu com mais força que as Catarata do Niágara. Se a cagança (não, isso não é uma festa de cágados) foi grande, não posso nem falar do fedor. Parecia um campo de concentração da Segunda Guerra Mundial. Me vi na pele dos judeu, só aguentando a catinga. Meu Deus, isso saiu de mim? Então eu tô é podre. Depois de terminado o serviço, eu devia me alimpar. Procurei umas folha de mamona ou carrapateira, que é perfeita pra alimpar o carretel. Encontrei uma folha bem sedosa e não deu em outra. Enchi a mão e fiz isso mesmo que vocês tão pensando.

Só depois eu senti uma queimação no boga. Acontece que pra meu azar, aquela folha não era de mamona, tampouco de carrapateira. Era de urtiga. Com o anel de couro queimando mais que a bixiga, sai do mato e corri pra casa. Quando eu dobro a esquina, vejo o Toinho e seu zamigo. Pra meu crescente azar, ele também me viu.

- Pega ele, que ele tá de olho na minha boyzinha!

Não deu em outra, fiz carreira. Sim. De novo. Para que você entenda a história, eu corro cerca de trinta quilômetros por dia, seja correndo de mainha, dos arengueiro, ou por conta dos atraso. Atravessei as rua mais ligeiro que o Barrichello (a dez por hora). Eu corria tão rápido que meus pé tava batendo na minha bunda. E por todo canto o povo dizia “Que fedor é esse?” “Cruz Credo, que carniça!” Eu já tava ficando cansado, e a dor de barriga, a ardência só fizeram aumentar. Entrei numa casa que tinha um velório e me escondi em baixo do caixão.

Finalmente pude descansar um pouco. Pra você ter uma ideia do velório de merda que era, a casa era tão pequena, que colocaram o caixão em pé, e amarraram o morto com umas corda no caixão. Quem visse podia pensar que amarraram o homem e depois mataram. À casa era tão pequena, que o velório era composto de três vãos. Vão entrando, vão espiando e vão saindo. Pra onde eu olhava via os cambito das véia. Pense numa ladainha feroz. Elas não rezavam, e sim quase gritavam. AAAAAAAAAAAVE MARIIIIIIIIIIIIIIIA, AAAAAAAAAAAAAVE MARIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIA. Um pinguço, o Zézin Vaca Véia, que tava de cóca num canto foi dar uma de gaiato e acompanhou as velhinha na reza. AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAVE STRUUUUUUUUUUUUUUUUUZ. Deu aquela vontade danada de espirrar. Veja minha situação. Morto de cansaço, todo cagado e ainda com uma subaquêra dos diabo e pra piorar, gripado. Tentei me segurar mas não pude. AH-AH-AH AUTIXUIIIIIIIMMMM. Em tudo que espirrei, dei com o espinhaço na parte de baixo do caixão, de modo que o defunto deu um pinote danado. As velhinhas beatas se benzeram logo. Fiz tanta força no espirro, que a inhaca de merda foi contaminando o ambiente. Uma das veinha, disparou.

- Vige Maria, o defunto já tá é fedendo!

- Já tá é pôde – concordou outra.

- Bora enterrar ligeiro!

Quando o caixão ia saindo, a reza tinha terminado. Amarraram o caixão em cima e uma carroça de burro que pertencia à viúva. Eu só escutava a viúva tendo o tradicional xilique.

- Eu quero ir “cum” ele! Quero ir “cum” ele! Me “interra” junto!

O filho também se lamentava.

- Oh paizin, “puquê” que o “sinhô” fez isso comigo? Agora quem vai me levar pra assistir o jogo do ASA de Arapiraca?

(Pera aí, essa não é pra ser uma história engraçada?)

- Amém... – disseram em uníssono as velhinhas.

- Doim, Amém-doim – completou o vendedor de amendoim.

Depois que a comitiva se foi, pude sai do meu esconderijo secreto. Fedendo que nem gambá, tomei o caminho de casa. O fedor que eu emanava era horrorível (igual você). A dor de barriga tava voltando. Com a dor de barriga e a queimação, meu furico tava tão apertado que não passava um fio de cabelo. Apressei o passo. Quando adentrei em casa, escuto minha mãe gritar.

- Que fedor da boboinca é esse?! Será que cagaro aqui dentro de casa?

Tirei direto pro meu quarto na esperança de não ser avistado. Em vão, claro. Antes que eu pudesse entrar, mainha me agarrou pelo cangote e me deu um cascudo tão forte que saiu uns tufo de cabelo. Me agarrou pela zurêia e me balançou. Depois daquilo, mina zurêia dobraram de tamanho e ficaram mais vermelhas que um cunhão de boi.

- Sai pra lá muleque réi seboso! Com um fedor desse e ainda vem pra perto da pessoa!

- Mai foi a “senhora” que me pux...

- Calaboca, bixiguento! Onde foi que tu se melasse desse jeito?

- Foi na...

- Eu não já lhe mandei calar a boca, infitéte? Passa pra dentro do banheiro, que eu vou te lavar.

- Mas eu sei...

- CALABOCA!

No banheiro, mainha só não me chamou de lindo. Porque ela leu o dicionário de nomes carinhosos com eu. Febrento, fi do cabrunco, bixiguento era só uma demonstração de carinho. Ela esfregou meus côro com uma escova de lavar pano que quase me esfola. Tudo isso regado a cacetada. Mãozada no péduvido pra cem, eu levei sozinho. Sai do banho limpo, mas em compensação parecia que um trator tinha passado purriba de mim.

Me vesti bem devagar, pra não bulir nas ferida. A essa altura, o (mau) humor de mainha já estava amainado. Ela me pediu (quase) com paciência.

- Severino, vai ali na casa da Maria dos Cachorro buscar uma cuia de farinha emprestada.

Peguei a cuia e o beco também. Maria dos Cachorro era a mãe da Bastiana. Meu coraçãozin chega tava alegre. Mesmo depois das cagada, dos velório, das ladainha e das pisa, eu ia ver a Bastiana, o que era suficiente pra alegrar meu dia.

Tentei ir mais rápido, mas a queimação nas parte baixa não me deixava ir mais rápido. Por isso, eu caminhava feito um piguim. Meu primo, o Jão ainda se fez de gaiato.

- Oxente Severino, tais cagado, é? Pra tá andando assim?

Fechei a cara pro lado daquele abirobado e segui meu caminho. Cheguei na casa de Maria e dei de cara com o marido (marido não, eles são só amancebado) dela, o Zézin Vaca Véia estirado no alpendre. Era um bêbado lascado. Ele e o paricêro dele, o Chico Gala Seca, vivem na manguaça.

- Ôi de casa?

- Ôi de fora?

Era a voz de Bastiana. Quase esqueço o que tinha ido buscar. Quase.

- Bastiana, mainha mandou vir buscar uma cuia de farinha emprestada.

- Tá bom, ter que eu vou pegar.

Aí eu fiquei reparando ni como a Bastiana era bonita. Mais bonita ainda que um prato chêi de cuscuiz com tripa de poico. Então, uma idéia mirabolante começou a maquinar na minha cabeça. Eu ia dar umas cantada ni Bastiana. Fiquei todo empolgado, parecia que tava cá mulésta dos cachorro doido. Eu já tinha visto os pedrêro falando, e meu primo também sabia.

- Bastiana, você é pedreira?

- Não, porque?

- Por que seu pai é um sonho.

- Quê?

Na ânsia de explicar o meu engano, acabei trupicando nas minha canela e cai purriba da minha amada. Ela gritou logo pela mãe que tava tratando uma galinha no quintal. Quando me alevantei, dei fé na lapa de pexêra que a Maria tinha nas mão.

- Taraaado! – a véia gritou e partiu pra cima de mim.

Apanhei a farinha e me danei pra casa. Quando chego lá, metade da farinha tinha avuado. Não ia ter mais pirão de ovo no “ao moço”. Botei a farinha inrriba da mesa e fui me deitar, todo arrependido ter dito aquilo com Bastiana. O cerular de mãe tocou. O toque era uma musga de Limão cum Mel.

- O que? Severino querendo pegar Bastiana a força?... Ele vai ver....sim muié...eu cuido...vou afofar esse miserável...tá bom...tixau. Severino, que história é essa de ficar atacando as fias alêia?

Ela já tava com o cinturão na mão.

Meu nome é Severino Santos de Jesus e eu sou o fracasso em pessoa.

Francisco Tavares
Enviado por Francisco Tavares em 18/09/2015
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