A GANGUE DO CLUBE DE TRICÔ

SEMPRE que lhe perguntavam o motivo de ter enveredado para uma vida de crimes, Dona Epifânia justificava:

- Culpa do Epaminondas, quem mandou ele morrer?

Seu Epaminondas “bateu as botas” uns seis meses antes. Caiu sobre o balcão de bebidas da sua bodeguinha. Além de morrer ainda deu um grande prejuízo: quebrou todo o estoque das garrafas de uma vez só. Ficou a dívida com o fornecedor e um monte de caco de vidro no chão.

Depois do funeral, passados alguns dias, a viúva e o filho caçula foram cuidar da vida.

Na previdência, ela descobriu que teria de juntar um monte de documentos para receber a pensão do falecido. E cada vez que ia falar com o encarregado surgiam novas exigências e dificuldades.

O Serginho, filho que vivia ainda com ela, resolveu cuidar da bodega no lugar do pai. No início trabalhava achando ruim, depois descobriu que podia levar os amigos, igualmente vagabundos, para beberem de graça com ele o dia inteiro. Não saía mais de lá. Começou a dar prejuízo, e Dona Epifânia baixou o portão de ferro do estabelecimento, até data incerta.

Sem nenhuma fonte de renda além da própria aposentadoria, Dona Epifânia começou a ter dificuldade de pagar as contas do condomínio e do mercado. O síndico não a deixava em paz, e mandava o zelador ficar de olho nela. Sempre que chegava ou saía, passava pela humilhação de ser cobrada ostensivamente pela dívida de apenas um mês. Então alugou o apartamento, despachou Serginho para a casa de praia da família e se mudou para um asilo urbano onde conheceu outras senhorinhas que lá residiam.

Logo fez uma animada turma, e junto com as novas colegas se inscreveu em todos os cursos que apareciam no lugar. Assim ia matando o tempo que parecia não passar naquela mesmice sem visitas.

Certo dia o diretor do asilo resolveu implantar uns cursos mais radicais, para dar uma agitada nos velhinhos e para que tivessem noções de defesa pessoal. Então trouxe professores de jiu-jitsu, capoeira, taekwondo, krav maga, kung fu, karatê, judô e yoga.

Dona Epifânia e suas amigas se inscreveram em todos, e após quatro meses de muito treinamento elas se sentiam como ninjas da terceira idade.

Com toda esta “suposta” capacidade, as vovozinhas traçaram um arguto e maligno projeto de vingança contra o mundo que as tratava como estorvo, e a primeira providência foi criar um clube de tricô falso.

Pediram ao diretor do asilo que liberasse uma sala para que pudessem fazer seus tricozinhos na paz e ensinar novos pontos umas às outras, mas o que de fato queriam era um covil propício para urdir seus planos perversos sem que os outros percebessem.

Quando algum residente ou enfermeiro passava pela porta, lá estavam as lindas senhorinhas sentadinhas cada uma em sua poltrona, tricotando roupas para bebês. Mas logo que se viam sozinhas, puxavam seus tablets de debaixo dos novelos, colocavam um mapa sobre a mesa e planejavam as ações. A primeira e mais importante seria um plano de fuga noturna porque não pretendiam ir embora de vez do asilo. Teriam uma vida dupla.

Dona Genoveva conseguiu com o neto um alicate de corte e com ele fez uma "porta" no alambrado lateral do asilo. Dona Alicinha alugou na locadora todos os filmes sobre ninja que encontrou, para que pudessem estudar, minuciosamente, seus movimentos sutis e a arte de ficar invisível. Dona Cândida providenciou um grande lote de novelos de lã pela internet para que fizessem suas roupas de bandidas.

No dia em que a encomenda chegou, porém, a gangue passou pela sua primeira crise. Sem entender muito de comércio eletrônico, Dona Cândida fez uma encomenda de novelos coloridos, e não na cor preta, como havia sido combinado.

Nos filmes que haviam assistido todas as manobras de invisibilidade se baseavam na cor preta.

Quando os novelos chegaram Dona Constância se revoltou:

- Eu não vou vestir esta roupa acanalhada!

- Deixe de besteira - falou Dona Cândida. - Lembre que os power rangers usam roupas coloridas.

- Eu quero ser a ranger rosa - grita lá do fundo Dona Alicinha, já toda entusiasmada e fazendo movimentos de luta.

Após horas de negociações, ameaças e um certo número de tabefes, cada uma ficou com uma cor.

Resolveram estrear a carreira de crimes por um assalto a banco, mas não qualquer banco... assaltariam o caixa eletrônico da previdência social!!!!

Escolheram algumas armas ninjas e saíram na calada da noite em busca de fortes emoções.

Não contavam chamar tanta atenção pelo caminho, e, ainda que se esgueirassem pelas sombras, cinco velhinhas vestidas de macacão colante de tricô colorido, correndo agachadas pelos arbustos não conseguiriam, jamais, passar despercebidas.

Em pouco tempo uma pequena multidão as seguia, rindo e gritando. Então resolveram pegar um táxi. Não era fácil. Ninguém queria parar para cinco velhinhas no meio da noite, com aquelas roupas.

Uma pessoa na multidão gritou - Olha! São os teletubbies!

Era muita humilhação, então foram de expresso, que, por sorte, ia quase vazio para a praça central. O cobrador, com sono, tomou um susto, especialmente por causa das máscaras de esqui, mas já vira tanta coisa esquisita naquele ônibus que nem ligou e elas foram sentar todas nos assentos para idosos.

Chegando ao prédio da previdência, observaram, friamente, o movimento... Um único segurança estava sentado perto da porta que dava acesso aos caixas eletrônicos, e cochilava de vez em quando. Calcularam o tempo entre uma cochilada e uma vigília e concluíram que teriam setenta e sete segundos para desativar o alarme do caixa, esperar que o guarda acordasse e voltasse a dormir e mais cinquenta e quatro segundos para a Dona Epifânia se esgueirar até a porta e abrir sem que o guarda percebesse, entrando rapidamente no salão.

Tendo desativado o alarme da sala onde ficavam os caixas, Dona Epifânia, abriu a porta sem fazer barulho e entrou no salão junto com Dona Alicinha.

Lá dentro abriria os caixas eletrônicos com uma granada arrumada pelo neto da Dona Cândida.

- Mas porque teremos todo este trabalho de fazer tudo em silêncio se vamos explodir os caixas com uma granada? Perguntou Alicinha.

Impaciente com tanta pergunta, Dona Epifânia puxou o pito da bomba de mão, e saiu do salão puxando Dona Alicinha pela mão e gritando - CORRE, NEGRADA!!!

As velhinhas nesta hora esqueceram todas as suas limitações e voaram para trás das árvores, enquanto o pobre vigilante acordou atordoado pela agitação e teve tempo apenas de pular de sua cadeira antes que a granada explodisse e uma chuva de estilhaços do vidro da porta e dinheiro picado se espalhasse pelo terminal e pela calçada.

O pobre homem se recompôs e saiu correndo dali. Então as velhinhas foram até os caixas para procurar o que havia sobrado de dinheiro inteiro que desse para levar.

Foram embora muito satisfeitas com o sucesso do primeiro crime. A próxima ação seria contra um certo síndico e um zelador tratante. Mas isto ficará para um próximo conto porque agora já está na hora delas tomarem a sopa e os últimos remédios.

Iolandinha Pinheiro
Enviado por Iolandinha Pinheiro em 21/09/2015
Reeditado em 22/09/2015
Código do texto: T5390028
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2015. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.