A "GHOST-SELFIE" DA FESTANÇA DOS “FINADOS”

Com todo respeito...eu precisava contar.

A minha presente narração não advém da mera observação de apenas um único e estático momento cultural relativo ao dia de finados, desse que acabou de acontecer entre nós.

Não!

É meu olhar em foco ao dinamismo através dos tempos que sempre mudam todas as concepções de vida e, claro, até de morte.

Assim, é fruto duma pormenorizada observação “quase antropológica” dos meus sentimentos e dos do meio, a fazer uma comparação por um curto espaço de tempo , digamos, de uns quarenta anos, de como o comportamento da sociedade mudou em relação à morte e a tudo que diz respeito a ela, inclusive aos respeitosos defuntos, seus amigos e seus saudosos familiares.

Resumirei que faço uma analogia entre o tempo das CARPIDEIRAS, aquelas senhoras que eram contratadas para chorar no velórios das cidadezinhas do interior-época em que todos se descabelavam com a morte e eu, criança, tinha uma sensação que os defuntos concorriam para ver quem que despertava mais lágrimas, questão de honra pós morte- até os dias ultra fashions de hoje, em que morrer é literalmente uma festança chique e silenciosa, isso quando se tem tempo para planejá-la a contento e com toda a sofisticação a que todos teriam que ter por legítimos respeito e direito de vida em morte.

Esse meu assunto não é novo no RECANTO DAS LETRAS.

Já contei por aqui vários “causos” verdadeiros sobre a flagrante evolução de “se morrer” e o que mais me intrigou foi certa vez que fui procurada no ambiente do meu trabalho, com agenda marcada e tudo, por parte dum vendedor super competente no que fazia e que me ofereceu a compra da minha festa de velório a módicos preços, com direito até à almofadinha de seda para o conforto do pescoço acoplada ao caixão e música clássica de fundo (eu escolheria VIVALDI, que amo de paixão).

Até me animei a princípio mas, depois de pensar melhor no "custo-benefício" eu logo desisti, deixando o vendedor desconsolado.

Não fechei o pacote de jeito nenhum, apesar da insistência! O cara queria ganhar comissão na venda sobre o meu defunto, pode?

Ara, ademais, que coisa sem graça essa de se encomendar uma festa com espumante estrangeiro, uma festa que só os outros vão aproveitar ,tal não me agradou foi em nada!

Confesso aqui: eu adoro uma comprinha de algo inusitado, mas me senti muito desconfortável encomendando meu próprio defunto com todas as pompas deste para o outro mundo, sem pode me enxergar na fita e ainda ter que gastar os tufos:”quem ficar é que pague essa conta”, pensei com meus botões.

E voltando ao meu tempo de criança em que eu ficava observando os “micos” de se ter que pagar alguém para chorar no nosso velório (meu Deus, que humilhação, vamos combinar!-depois duma vida toda NESTE MUNDO ainda ter que se pagar para alguém chorar copiosa e falsamente por nós, é demais!), digo que hoje, morrer, já pertence literalmente a outro mundo bem mais prático e nada sentimentalista como outrora.

Não há tempo para muitas chorumelas porque” tempo é dinheiro” e percebo que morrer empata a vida dos outros.

Demorar pra morrer, então, é prejuízo na certa, “Deus nos livre e guarde desse outro mico pior que as carpideiras!”

E perguntar ao médico quanto tempo falta para o velório, então? Que horror...como vamos saber?

Chorar em féretro? Carpideiras modernas?

Imaginem, é falta imperdoável com o protocolo de elegância e da “visão de mundo”, afinal se o defunto se foi, teologicamente que decerto se foi na hora certa e para um mundo melhor, não é difícil se chegar nessa conclusão.

Você até pode lacrimejar, mas bem disfarçadamente...e de óculos escuros, para ser educadamente chique até no sofrimento, ok?

E desta feita, no último feriado dos mortos, voltei para a cidadezinha aonde estão sepultados os meus avós e demais familiares queridos e lhes digo que FINADOS por lá estava uma festança.

Realmente, morrer por ali...ah, é um super acontecimento...ninguém pode perder.

Nunca vi um cemitério mais alegre que aquele: parecia um bufett de “bota- fora!”

Pequenino , silencioso e todo florido, incrustado na paz duma natureza exuberante,em meio a um coral de passarinhos sopranos, dava até vontade de se morrer um pouquinho, ao menos!

Um lugar aonde a gente se sente vivo eternamente, mesmo se estando morto!

Senti algumas pessoas, pelo fácies, tendo esse desejo inconsciente.

E precisavam de ver a vitalidade para se faxinar os mausoléus e se colocar as flores naturais por ali...Bonito de se ver, mesmo! Parecia concurso de quem enfeitaria melhor o seu finado...aquilo daria o que falar para a "boca pequena", decerto. Assunto da cidade!

E logo na entrada sabem o que tinha ali? Ninguém acreditaria...um TRUCK FOOD, e de pastéis!

Gente, tem coisa melhor? Pastel de tudo desta vida! Sem o pastelão de se choramingar por quem já não pode nem experimentar um “pastelzinho de cemitério”...

Você podia escolher o sabor e a hora da comilança: ou antes ou depois de visitar o seu finado, coisa que lá atrás nem se cogitaria fazer. Tudo muito chique mesmo.

Eu achei melhor saboreá-los depois, senti ser mais respeitoso.

E de repente ouvi um diálogo entre dois homens que se encontraram ali dentre as artes sacras:

”Cara, tua árvore de ”ficcus” está linda, como cresceu!”.

Ao que o interlocutor lhe justificou:

” Ah, eu a plantei para fazer sombra sobre mim quando eu estiver por aqui, acho que ela ainda vai ter tempo de crescer mais um pouquinho, você percebeu o ângulo que ela faz com o nascer do sol?”.

Bem, eu deduzi que se tratava dum futuro defunto amante da natureza como eu, um ecologista, só podia de ser.

Informo também que naquela cidadezinha há dois planos que as pessoas nunca deixam de pagar de jeito algum: o plano de saúde (para se ter vida!) e o plano do féretro (para se garantir a morte!).

Neste país, eu torço sinceramente para que o segundo plano não esteja corrompendo o outro, ok? Me fiz entender?

Diante do exposto, concluo que os tempos mudaram mesmo, não só para a vida daqui: morrer também está, TIPO, super, mega, master empolgante.

Né?

Não dá para dispensar nem uma última selfie para jogar na rede.

Afinal, eu que acredito que a vida é para sempre, aconselho que nada é melhor do que aparecer bem na última foto selfie desta finada vida para postar logo na entrada da posteridade: uma "ghost-self" da vida do outro mundo.

Tempos inquestionavelmente bem mudados...alguém ousaria dizer que não?