Dia das Crianças

Eu estava assistindo televisão de noite lá em casa e mãe tava comigo. Por causa de uma insônia adquirida pelo trabalho (como prostituta) à noite, ela precisava de remédios para pegar no sono.

– Olha menino, tu me alembra de tomar o meu remédio pra dormir, viu?

– Tá certo, mainha.

Depois de assistir a melhor novela da TV brasileira (Os Dez Mandamentos). Que por sinal é a única novela que protege a família brasileira, e faz isso mostrando como um cara matou todos os filhos mais velhos lá das arábias (ou é Etiópia?). Então, depois de assistir essa superprodução com ares hollywoodianos que dispõe dos mais espetaculares efeitos visuais, que por sinal envolvem até a (milagrosa) aparição de um extintor de incêndio no ano de quinhentos e não sei das quantas antes de Cristo, percebi que mainha tinha caído no sono.

Fiquei desesperado, pois agora eu corria o risco de apanhar mais do que galinha pra tirar o choco. Fui logo lembrar ela.

– Mãe? Mainha? Ó mainha? Mãe, acorde! Acorde! Mãe, acorde! Acorda mãe!

– O QUE ÉÉÉÉÉÉÉÉÉ? – acordou, já berrando.

– É que a sinhora se esqueceu de tomar o seu remédio pra dormir – respondi.

– Ah, fi de quenga!

Depois desse triste ocorrido, apanhei mais que um corno. Fui dormir com o espinhaço tão quente que chamuscou o lençol. Senti aquele cheiro de pêlo de cachorro queimado.

No outro dia eu acordei felicíssimo por causa do dia das crianças que estava chegando. Úr menino do meu sítio tava tudo que não se aguentava de ansiedade, embora faltasse uma semana. Devido a essa (rara) felicidade na minha vida, acordei bem cedo. Depois do café-da-manhã, fui para a escola. Quando chego naquele funesto lugar, quase que eu explodo de felicidade, pois a pufessora tinha preparado umas sacolinha com doce e piroca pipoca para a gente chupar comer.

A professora distribuiu aqueles manjares divinos. Todo mundo na sala tava feliz; eu até se esqueci que Bastiana (sim, a mesma lazarenta que me traiu) existia. Entrementes, todo mundo comendo pipoca e doce, Toinho exibia seu novo cerular.

– Oxente, mah – dizia ele. – Esse aqui é dos bons. É um iPobre 666. Foi meu tio que trouxe lá de Sum Paulo. Tem até jogo da cobrinha, ó.

– Cadê, homi? – Dieguin curiava. – Que monte de letra é esse?

– Ah, isso num é jogo não, é o diário do fracasso.

– Ah sim.

Quando penso que não, por conta do dia das crianças chegando, a professora liberou a gente mais cedo. Como ainda não era hora de voltar, fui vagabundear. Como Bastiana – aquela lazarenta – tinha me deixado, decidi entrar em outra: Aparecida, a filha de seu Antoin da budega. Tive uma idéia mais brilhante que parada gay. Fui, naquela mesma hora, pedir pro Seu Antoin pra eu namorar com ela.

Quando eu cheguei, Seu Antoin tava fazendo umas contas no balcão. Chegando mais perto, percebi que ele tinha um negócio estranho na zurêia, e prestando mais atenção, pude discernir que o objeto era um supositório. Mas fingi que não tinha visto.

– Bom dia, Seu Antoin – cumprimentei.

– Hum, bom dia – respondeu carrancudo.

– Sabe o que é, Seu Antoin? É que eu tenho um negócio pra falar com o senhor.

– Então fale.

– Mas eu não sei se o senhor vai gostar.

– Então não fale.

– Mas é importante.

– Então desembuche de uma vez, boboinca! – berrou.

– O senhor deixa eu namorar com a sua filha? – desabafei quase gritando.

– Mas você vai ficar de saliência com ela? – perguntou.

– Vou não, senhor.

– Vai ficar de agarração com ela?

– Não senhor.

– Vai beijar na boca dela?

– Também não.

– Então pra que tu quer namorar com a minha filha, febrento?

Não podia acreditar. Fui passado pra trás. Aí o velho foi dizendo por que não queria que eu namorasse Aparecida. Disse que eu era um trombadinha, que fedia a mijo, que era liso, enfim, ele foi listando minhas qualidades. Antes de sair decidi perguntar sobre o supositório.

– Seu Antoin, porque o senhor tá usando o supositório na zurêia?

– Supositório?? – perguntou, chocado, e tirou o dito cujo da orelha. – Valei-me minha Nossa Senhora, onde foi que eu botei a caneta?

Depois disso, sai para casa.

Chegando lá, tive a confirmação de que naquele mesmo dia haveria uma festinha do dia das creansa na casa de um vizinho. Fiquei todo animado, pois ia brincar e comer doce a fole. Sai de casa todo animado e a toda velocidade, quase me esquecendo que a casa do vizinho era bem perto: só uns treze quilômetros de distância.

A casa do bendito vizinho estava coalhada de criança (ou pirralhos, se preferir). Aqui vai uma definição desse encosto que chamamos de criança. As crianças são demônios anjos que Deus mandou para (fuder com a nossa vida) nos alegrar