BEÓCIOS E PAPALVOS

Não, não se trata de nenhuma disputa de futebol, tipo casados e solteiros, nem do nome de alguma firma comercial. É que encontrei esses dias num livro antigo a expressão “embair os beócios”. Beócio – mesmo sem olhar no dicionário – já se imagina o que seja. É o tipo de palavra que você não pode dirigir a ninguém, se não quer ouvir a opinião dele sobre sua mãe. Mesmo assim, resolvi confirmar o sentido. Vou ao dicionário e constato: embair os beócios quer dizer, simplesmente, embromar os papalvos.

Se você, leitor, não percebeu, isso quer dizer, no português atual, enganar os bobos. Quem sabe os bobos prefiram ser embaídos, que é um termo mais culto, mais respeitoso. E alguns até façam gosto em ser chamados de beócios ou papalvos. Assim fica-se na dúvida, muitos vão achar que estão sendo elogiados.

– Fulano, você é o maior papalvo que encontrei!

– Nem tanto, doutor, nem tanto...bondade sua.

Se o cavalheiro pretendesse variar um pouco o vocabulário poderia “burlar os néscios” ou “iludir os pacóvios”. Fosse personagem de anedotas, poderia, com toda graça, “bigodear os beldroegas”.

No meu tempo, que é muito mais recente, dizia-se: enganar o bobo na casca do ovo. Não é uma expressão tão elegante e olha que é meio idiota, meio beócia; o que a casca do ovo tem a ver com o assunto? Só pode ser para rimar com bobo, mesmo assim a rima não ficou tão boa.

Hoje, esses termos se tornaram fracos, debilitados. Quem poderia dizer que os proprietários de um edifício que ruiu foram embaídos? Ou que alguns políticos embaíram seus eleitores? Não, hoje somos espoliados, violentados, expurgados; embaídos nunca. Isto é coisa para beócios e papalvos.

Extraído de meu livro "Mostrando a Língua - crônicas sobre linguagem".

Hilton Gorresen
Enviado por Hilton Gorresen em 19/07/2007
Reeditado em 15/07/2011
Código do texto: T571461
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