DE OLHO EM TUDO...

Zé Velho é uma dessas pessoas espirituosas que passa parte de seu tempo ocioso (que não é pouco) distraindo pessoas de sua comunidade, com suas estórias e causos pitorescos. Mora numa casinha simples, com a esposa e filhos e trabalha de vez em quando.

Dia desses ele foi procurado por uma jovem repórter de uma rede de televisão nacional que fazia um documentário na sua cidade acerca do atual desempenho dos professores  dos ensinos fundamental e médio em âmbito nacional e que por indicação do líder comunitário ela quis conhece-lo.

Zé Velho ficou surpreso com a visita da moça da cidade e sem nenhuma parcimônia a convidou para conhecer sua casa e aproveitar para sentar um pouco.

Chegando à casa, ele procurou a esposa para ela também participar da entrevista, mas não a encontrou. Na verdade, ela estava escondida num dos cantos da casa, observando tudo, principalmente as respostas que seriam dadas pelo marido.

A repórter se acomodou num banquinho de madeira ali existente e sem perder tempo passou a fazer aquelas perguntas de praxe:

- Qual é o seu nome completo? Qual é a sua idade? No que o senhor trabalha? Além das atividades domésticas, qual é o trabalho de sua esposa? Está satisfeito com o trabalho do presidente da república/do governador do seu estado/do prefeito de sua cidade? Quantos filhos o senhor tem? Estão todos na escola? Está satisfeito com a qualidade do ensino que o governo oferece aos seus filhos?

Zé Velho respondeu a todas as perguntas, sem titubear. Em algumas delas contou a sua verdade nua e crua, com base na realidade de seu minguado universo socioeconômico; noutras disse apenas o que a entrevistadora queria ouvir, mas sempre de olho na beleza escultural dela.

No fim da entrevista, como é de praxe, a repórter agradeceu toda a atenção dada por seu entrevistado e para deixa-lo ainda mais feliz, decidiu fazer um elogio que certamente mexeria com o ego dele:

- Com toda essa espontaneidade, com esse carisma, com esse vigor físico e com essa vontade de viver que o senhor tem, o senhor vai longe...

Antes que ele agradecesse o elogio recebido, a esposa pôs metade do rosto no canto da janela (o flagrou fitando firmemente a beleza escultural da jovem repórter) e com um semblante meio carrancudo, acompanhado de um sorriso maroto, resmungou:

- Se a senhora der corda... esse aí vai longe, até demais!