Serenata

Ele entrou na cozinha, deu um beijo na testa da mulher e soltou logo a novidade:

– Resolvi que vou aprender a tocar violão.

– Uau! Parabéns! Violão é um instrumento muito charmoso. Mas de onde surgiu essa paixão repentina pela arte? – perguntou ela, enquanto organizava a mesa.

– Acho que está no sangue.

– É mesmo? Não me consta que haja músicos na sua família.

Olhando para o celular, ele respondeu orgulhoso:

– Engano seu! Acabo de descobri que o irmão do meu bisavô paterno tocava prato na banda da cidade.

– Parece pouco – disse ela, com suave ironia.

– Então você acha que um prato é um instrumento sem valor apenas por ser simples e supostamente de fácil execução? – perguntou, enquanto buscava na internet lojas especializadas em equipamentos musicais.

– Acho! Mas se você gosta tanto, por que não se dedica, assim como seu parente, a este instrumento e esquece o violão? – perguntou ela, mais preocupada com a novela que começaria em poucos minutos.

– Não, isso não faz sentido. Preciso de um instrumento que ofereça mais flexibilidade, seja popular e menos escandaloso.

Ela se aproximou, passou a mão em seus cabelos já um pouco esbranquiçados e comentou em tom de brincadeira:

– Não quero te desanimar, mas tem certas coisas que só se aprende quando se é jovem. Andar de bicicleta, nadar, dirigir... tocar violão.

– Lá vem você novamente com seus preconceitos. Sua tese hoje em dia já está ultrapassada.

– Ok, retiro o que eu disse. Mas existe algo que não se compra nem se pega emprestado em qualquer idade: talento. Quem tem já começa a demonstrá-lo ainda nas fraldas – afirmou ela na tentativa de minimizar suas expectativas e uma futura frustração.

– Sinceramente, da minha mulher eu esperava um pouco mais de incentivo. Ao invés disso só ouço comentários negativos. Não importa! Vou te mostrar que tenho garra.

– Quero ver!

Neste instante, ele pôs o celular sobre a mesa, simulou que tivesse um violão nos braços, aproximou-se da janela e revelou desapontado:

– Eu estava tão entusiasmado que já imaginava a seleção das músicas da primeira serenata que faria para você. Mas pelo visto terei cantar em outra freguesia.

– É! De fato, oferecer uma serenata tocando um prato seria bastante complicado; confusão na certa – disse ela, em tom de zombaria.

– Por que você não esquece este maldito prato e tenta enxergar o lado romântico da minha intenção? Depois as mulheres reclamam que os maridos não são mais os mesmos.

Ela pediu desculpas e disse que a serenata seria muito bem-vinda. Alertou apenas que para aprender qualquer instrumento é necessária muita dedicação e persistência.

– Ouvi dizer que nos primeiros dias os dedos do violonista doem muito. Além disso, é melhor você se aventurar apenas nos solos ou acompanhamentos, pois sua voz é muito desafinada. Isso não sou eu quem diz – completou.

Neste instante ele raspou a garganta, acalmou as cordas vocais ultrajadas e alfinetou:

– O que você entende de música para me dar essa gongada? Na sua família, por acaso, tem alguém que toque pelo menos prato?

– Eu já havia me esquecido do prato. Você é quem está retomando o tema.

– Está bem. É melhor interromper essa discussão e jantarmos logo.

– Concordo. Toma aqui seu prato e bom apetite!