Sacolé
A criançada descia a ladeira, Julinho ia com o kichute nos ombros, segurando os sapatos pelos
cadarços. Ora que frescura pensava Mulambo, um negrinho que morava na última casa da rua da
lama, o moleque tinha a sola do pé tão grosso, que nem entraria em um kichute.
João Paulo pegou dos tijolos e marcou onde seria um dos gols, Mulambo puxou duas pedras e
marcou o outro. A bola era dura como um coco, quando batia na pele ardia bastante. Jogavam o
futebol em frente à casa da velha Carola, a pobre senhora já era bem idosa e aquela barulhada lhe
tirava a paz. Era uma gritaria da molecada. De tempos em tempos um dos guris chamava a idosa
para pegar a bola que tinha caído no quintal, a mulher xingava bastante, ameaçava rasgar a bola e
até corria atrás da criançada, que caiam na gargalhada, debochando do andar desengonçado da
pobre velhinha. O muro da pobre velha, que era sem emboço, já estava com os tijolos
arrebentados de tanta bolada. O portão era um capítulo a parte, cada bolada que podia ser ouvida lá na quitanda de Seu Djair.
Mas de uns tempos para cá a velha Carola já não brigava com os meninos, entrava sorrindo
simpática e cumprimentando as crianças. Passou todo dia a servir um sacolézinho delicioso para a
molecada, tinha de morango, uva e manga. As crianças já sentiam até uma simpatia por Dona
Carola.
Uma tarde quente dessas de verão a garotada jogavam o futebol, quando num lance Mulambo
chutou longe a bola, que foi cair no fundo do quintal de Dona Carola. O menino foi buscar a bola,
quando subiu no muro não acreditou no que viu, a velha enchia os saquinhos de suco e antes de
dar o nó, dava uma cusparada em cada saquinho de sacolé, buscava na garganta com satisfação e
cuspia com vontade. A velha foi até a geladeira colocou os sacóles na geladeira, pegou os que já
estavam gelados e foi levar para as crianças. O menino Mulambo ficou paralisado em cima do
muro com a cena, mas de lá conseguiu ouvir um OOOOOOOOOOOOOOBA da criançada, quando a
velha abriu o portão com a bandeja cheia de sacolé.