O vexame numa recepção

VEXAME

Um amigo meu, encarregado das finanças de uma pequena empresa, relatou-me o caso abaixo:

Certo dia esteve na empresa onde trabalhava a gerente do banco onde eles operavam e encontrando-se com ele na ante sala da diretoria disse-lhe: “vim trazer um convite para o patrão”. Ao sair, passando pela sala dele, disse-lhe: “aparece lá”. O patrão, que não era de frequentar essas reuniões, encarregou-o de representá-lo.

No dia marcado, ele vestiu sua melhor camisa, (branca de manga comprida), botou uma calça azul marinho que tinha comprado para o casamento de um colega e um sapato marrom, que embora não estivesse novo, com uma graxinha ficou com boa aparência. O problema era a sola, que aparentava estar muito gasta, mas era só não cruzar as pernas, porque ajoelhar ele sabia que não ia pois não era missa. Ao sair a mulher logo advertiu: “não vai encher o bucho daquelas comidas que tu nem conhece pra não ter desinteria”, ao que ele respondeu: “que nada mulher, vou comer umas coxinhas, uns salgadinhos de queijo, umas azeitonas e queijo de coalho”.

Chegando na casa de eventos, havia uma fila de carros na frente, pois tinha serviço de manobrista. Passado algum tempo ele com seu Gol 1.0 “Special”, (Special porque tinha sido instalado um kit de ar condicionado), estava atrás de um Corolla e um Civic, ambos 2.0 e com ar condicionado de fábrica. Após os dois seguirem para o estacionamento ele pensou, agora é a minha vez. Qual nada, atrás dele, tinha uma Hillux que o manobrista mandou passar na frente dele, depois um Citroen, depois uma Land Rover, aí ele zangou-se desceu do Gol e perguntou ao manobrista: aí não tem quem saiba dirigir Gol não? O manobrista olhou pra ele de cima a baixo, aquela camisa branca ensacada, aquela calça azul marinho, então disse: desculpe pensei que o senhor era o motorista, ele não entendeu como ofensa porque respeitava muito a classe dos motoristas e não via nenhum demérito ao ser comparado a um deles. Bem, adentrou ao recinto sendo recepcionado por uma bela modelo, não dessas de desfile de moda, magras, só osso. Aquela tinha carne, por sinal muito bem distribuída, principalmente nas coxas a mostra por causa do vestido curto.

Esquecendo a modelo, que não é fácil, encontrou a gerente da conta que ao vê-lo exclamou: “Você veio”? Ele não entendeu se era surpresa de alegria por sua presença ou se era porque ela não acreditava que ele tivesse a petulância de só por aquele “aparece lá” ter acreditado que era pra ir mesmo. Passado esse pequeno constrangimento ela perguntou: e o patrão? Ao que ele respondeu: pediu que eu o representasse. Ela virando-se para outros convidados balbuciou, fique a vontade, e sumiu da presença dele por toda a noite.

Procurando ambientar-se, descobriu logo de onde vinham os garçons com as bebidas e comidas, colocando-se estrategicamente por onde eles deviam passar. Passou um com uma bandeja com uns quadradinhos de pão de forma com umas massinhas coloridas, que só depois soube que vinham a ser “canapés”, ficou receoso e lembrando-se do que a esposa disse, não aceitou. Pensou consigo vou me empanturrar de coxinhas. Passa outros tais canapés, de toda cor e ele sempre rejeitando. Bebida já tinha nas mãos, um uísque, ele chamava assim mesmo, porque só conhecia brasileiro. Aquele era importado, e “Black”, que ele já íntimo do garçom dizia: “bota um pretinho aqui”. Ele pensava consigo mesmo, será que não sai pelo menos um camarãozinho, daqueles vermelho, inteiro, salgado, que comia em Brasília Teimosa, quando ia pra praia com os bruguelos e a mulher? Qual não foi sua alegria quando ouviu o garçom dizer ao lado, “camarão doutor”?. Ele virou-se rápido e disse eu quero. O garçom respondeu vou buscar e trago já. Passado um bom tempo ele realmente trouxe, mas ele não reconheceu. O camarão veio vestido, que eles chamam empanado, não tinha a cabeça, que ele gosta tanto, só o rabinho aparecendo, e o gostinho do sal e aquele cheirinho não existia. Comeu um e desistiu.

Anunciaram que o jantar estava sendo servido. Partiu ele apressado, pois não tinha comido quase nada, a não ser um tal de “quiche” que até hoje ele não sabe o sabor, só se lembra que caiu na camisa branca e tentando limpar manchou mais ainda. Ficou na fila, observando tudo, pra não fazer feio. Tinha umas folhas, mas ele não quis pois disse que em casa tem melhor no quintal. Viu à frente uma travessa cheia de macarrão, que a pessoa que estava servindo apelidou de spaghetti. Pediu uma porção. Ao lado uma tigela, bonita, cheia de um caldo que parecia doce de goiaba derretido, eles chamavam “ao sugo”. Botou duas conchinhas. Tinha outra tigela, não menos bonita, com leite que eles diziam ser quatro queijos. Ele não viu nenhum, a não ser uma porção daqueles de saquinho que vende em supermercado. Eles tiram o saquinho, pra gente pensar que é fino, pensou. Mais na frente um arroz cheio de verdura picada que eles chamam de “a grega”. Ele comentava com seus botões, não sabia que a grega era assim cheia de verdura picada, colocou duas colheres e finalizou com uma carne nadando em um molho que ele pensava ser chocolate, mas eles diziam que era “madeira”. Como não tinha outra carne ele se arriscou e até gostou, pensou até em aproveitar umas ripas que tinha em casa para a mulher preparar um carne dessas no aniversário. Terminado o jantar, o garçom, já amigo, chamou ele no canto, e disse: “doutor me arranje um aí pra passagem”. Ele liso, sem nem um tostão no bolso, disse: “rapaz esqueci a carteira em casa, e não te dou uma carona porque o tanque tá na reserva.”

Ao dirigir-se a saída, percebeu que as tais modelos, estavam distribuindo uns brindes, que elas chamavam de kit. Disse consigo mesmo, vou levar prá nega véia. Que decepção. A modelo gentilmente lhe disse que os tais kits eram para os convidados, ele ainda pensou em dizer que tinha sido, mas verificou uma lista na mão dela e lembrou-se do “aparece lá”, que não valia para kit.

Aborrecido, retirou-se e procurando vingar-se no manobrista, exclamou: “vá buscar meu carro, entregando-lhe a ficha”. O manobrista pegou a ficha. Olhou. Viu que era um Gol 1.0. Foi no chaveiro, onde se encontravam as chaves. Pegou a dele e colocando na sua mão disse-lhe: “está ali na esquina, pegue lá”.

Tem um ditado que diz: Conta-se o milagre, mas não se diz o santo.

Tem outro ainda mais verdadeiro, conta-se o caso mas atribui-se a um amigo.