Meu velho fusca

Meu velho fusca

O título atrai. Dá um tom de sentimentalismo. Saudosismo. Ao final vocês verão que não era bem isso que eu queria dizer. Melhor seria “meu fusca velho”, mas quem iria ler? Hoje em dia a maioria dos fuscas que ainda teimam em existir estão velhos mesmo, salvo raríssimas exceções dos colecionadores.

O meu era azul, ano 1962, motor 1200cc, tinha uma cabeça de marcha de acrílico com um caranguejo dentro, meu signo. Tinha um “chega mais prá cá”. Explico: um banquinho alcochoado de napa, que se colocava entre os bancos dianteiros, sobre a alavanca do freio de mão, para que a namorada ficasse mais juntinho. Hoje os bancos dianteiros dos carros foram feitos para divorciados, cada qual no seu quadrado. Tinha uma figa pendurada no retrovisor interno, para afastar “olho grande”. Coitado ninguém nem olhava, quanto mais com “olho grande”.

O meu, era velho mesmo. No tempo que as fábricas davam garantia de um ano, o meu tinha nove anos de uso, por sinal muito uso, e o que era pior, sem manutenção. Imaginem o estado. De vez em quando eu lavava. Trocava óleo quando a luz de alerta acendia. Tinha uma grande vantagem, não precisava de água no radiador, pois não tinha. Era refrigerado a ar. Uma beleza. Já para o limpador precisava, mas deixei de botar pois roubaram o “carcará” para fazer anel. Quem já teve um fusca dos anos 60/70, sabe o que era “carcará”. Era uma peça de metal cromado por onde saía o esguincho d’água para o parabrisa. Roubavam para fazer anel.

O meu fusca velho tinha outros probleminhas. O marcador de combustível não funcionava bem. Tinha hora que estando cheio o tanque, apresentava vazio. Outras vezes estando vazio, apresentava cheio, me deixando muitas vezes na rua. Resolvi levar na mala uma varinha e quando queria saber o nível do combustível era só abrir o capô, sim porque o fusca tinha o tanque na dianteira e dentro do porta malas que era na frente, e enfiar a varinha no tanque. O motor é que era atrás. Fazia uma zoada desgraçada dentro do carro, se é que se podia chamar aquilo de carro, (talvez por causa do escapamento furado), mas era o que eu podia ter. Ele tinha um problema crônico de carburação. Fora de marcha, ele estancava, quer dizer desligava, e de tanto acionar o motor de arranque, descarregava a bateria. Então toda vez que eu trafegava e tinha que parar num sinal, que também chamam semáforo, tinha que colocar o pé atravessado, no pedal do freio e no acelerador, para não estancar, porque as vezes só pegava no empurrão. Já pensou no trânsito, na hora do “rush”. Ninguém merece. Hoje os carros são modernos, ignição eletrônica, direção hidráulica ou elétrica, freios ABS. Naquele tempo não. Tinha um tal de “carburador” que quando desregulava, e o meu só vivia desregulado, ou ficava estancando ou consumia muito. Tinha um tal de “distribuidor” de onde saía os cabos para as velas, (essas ainda não inventaram coisa melhor), que dentro tinha o “platinado”, que era danado para “bexigar”, fazer uma espécie de verruga no metal e dificultava o carro pegar. Pegar é acionar, ligar o motor. Mas aí eu já andava com uma serra de unha, dessas mesmas que as mulheres usam, era só abrir o tal distribuidor e lixar até tirar a bexiga. Pronto voltava a funcionar. A não ser que o “rotor” que controlava o “tempo” do motor. Aí merece uma explicação: tempo do motor, era ele trabalhar certinho, ou seja, as centelhas das velas que provocavam a combustão da gasolina na cabeça dos pistons eram sincronizadas pelo tal rotor, que também precisavam ser lixados e regulados. Regulados, aí só no mecânico que eu não costumava ir.

O meu fusca velho tinha esses defeitosinhos. O limpador de parabrisa que não funcionava, besteira, não chovia todo dia. O vidro da porta que emperrou. Abria o quebra vento, naquele tempo se escrevia separado, se mudou não sei, acho até que separado o vento passava melhor, mas ventilava bem. A porta do passageiro não abria por dentro. Aí era até bom, pois quando dava carona as meninas pegava a fama de cavalheiro. Eu dizia logo: deixe que eu abro a porta pra você. Descia e abria por fora. Um problema mais sério era o banco do carona, que as vezes travava e para as pessoas de trás saírem, eu tinha que descer do veículo também.

Um amigo, certa vez, me pediu emprestado para ir almoçar em casa. Eu disse: tudo bem. Agora tem uns probleminhas que preciso te explicar e fui citando:

A porta do carona só abre por fora

O vidro do carona não desce, mas usa o quebra vento prá ventilar.

A luz alta, direita, tá queimada, mas a baixa tá bem. Ele não entendeu e perguntou: também? Não, a baixa acende. A do lado esquerdo é que não acende nenhuma das duas. Usa o pisca pisca que tá bom. Cabra chato, perguntou: tem freio pelo menos? Respondi: tem, só não acende a luz traseira. Eu era um “pouco” relaxado com esse negócio de luz. Quando não estava queimada, estava com mau contato. Não sei se esse mal é com “u” ou “l”, só sei que fiquei preso no posto da Polícia Rodoviária por causa dele. Não falei nem que o pneu de suporte estava baixo, que a gasolina precisava verificar, que o piso traseiro direito estava furado, pra não passar numa poça d’água, ele interrompeu e disse: Vou de ônibus mesmo. Ainda soltou uma gracinha: “Faz um manual prá essa carroça”, senão só tu diriges mesmo. Chamou o automóvel brasileiro de carroça, antes de Collor.

Nunca mais andou no meu velho fusca, nem de carona, não que eu tenha proibido, foi por opção mesmo.

Quando quis vendê-lo, colei um papel no vidro traseiro: VENDE-SE. Um engraçadinho escreveu em baixo: “DUVIDO”

Mas mesmo assim consegui vender, num desmanche é certo, quase no peso, mas vendi.

Massilon Gomes
Enviado por Massilon Gomes em 06/02/2017
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