As baratas e minha vida

Quem está conectado a mim pelas vias virtuais e, em especial, aqueles que convivem físicamente sabem da minha aversão a baratas. Isso, talvez, seja assunto velho.

Mas, após ter lido um artigo sobre a presença de vestígios e partes de insetos (b.a.r.a.t.a.s) em alimentos, principalmente chocolates, vez por outra, sinto o vôo de uma asquerosa na minha mente. Por sermos tão íntimas - eu, voraz deglutidora de chocolates e elas, meu tempero especial - bem que poderíamos fazer as pazes.

Aliás, pensar e refletir sobre a origem de alguns traumas possivelmente reprimidos, tem sido um passatempo de alguns momentos meus - as aulas de história da Psicanálise inspiraram esse comportamento (se tal trocadilho for permitido dentro da Psicologia).

Esquecendo aquela meleca esverdeada que soltam quando esmagadas, o fedor nauseante, as perninhas rápidas e arrepiantes e o vôo certeiro, não compreendia meus pânicos.

Tenho plena consciência da minha superioridade: eu, ser racional, vencendo em tamanho, força e agilidade (será?); elas, puro instintos e medo, colossalmente dotadas de vôo perseguidor. Mesmo em vantagem, quando meu "sensor aranha" reverso (vide gibis do homem aranha) dispara, ele diz: fuja!

De tanto divagar nas reminiscências de alguns supostos traumas passados na infância, vi imagens de meu pai limpando estantes de livros, enquanto uma delas voava na minha testa; lembrei de, nessa na mesma época, ter dificuldades para dormir, por receio de alguma subir na minha cama. Foram lembranças bizarras ou "bizonhas" (e tudo com essa alcunha estatisticamente me assusta). Será que daí encontro as origens?

Passei esse meu medo para meu filho ao fugir (aos berros) de uma barata na cozinha, deixando-o, aos dois anos, sozinho com a mesma. Ele ficou apavorado. Hoje, não pode ver uma.

Na impossibilidade atual de hastear a bandeira branca, consegui algumas vitórias: já fujo silenciosa e sorrateiramente e, se bem calculado, munida de vassouras, consigo matar algumas.

Então, lembro do dia em que entrei na sala onde trabalho e mecanicamente repetia o ritual diário de fechar a porta, guardar a bolsa, vestir o jaleco e organizar o material de atendimento, quando o reconhecido zumbido de um vôo me acorda da minha letargia.

E lá estamos: eu de um lado e ela do lado oposto, bloqueando a porta. Fisicamente congelada, mas meu cérebro hiperativo em buscas de soluções. Ela voa para baixo da mesa. Consigo fugir em busca da vassoura. E podem ter certeza de que meus aprendentes correram um certo risco de serem atendidos por uma barata - ou ela, ou eu. Mas venci.

Mesmo diante de evoluções, ainda fugir é a melhor das soluções e creio que será necessário muita psicoterapia para meus sistemas simpático/parassimpático entenderem de outra forma. Portanto, durante o processo, irei me especializando em algumas artes de defesa: vassouradas, sapatos ao alvo e pernas ao vento.

Luciana Luz
Enviado por Luciana Luz em 08/01/2018
Reeditado em 08/01/2018
Código do texto: T6220206
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