Mata! Mata! Mata!

Domingo de sol a pino. Resolvi estender minha esteira na praia. Caipirinha na mão e jornal do lado.

Juro que mais não preciso na vida.

Mas a praia é de todos. E, a poucos passos, um energúmeno resolve ligar seu gigantesco rádio portátil no máximo volume, em música sertaneja da pior qualidade.

Vontade de castrá-lo! Pois outra coisa não merecia!

À minha esquerda chega um casal com três filhos pequenos. Com as crianças psicóticas aos gritos, o pai tenta montar a barraca.

Escolhi mal o lugar, pensei com meus botões.

À minha frente aportam quatro garotões. Pelo que pude perceber fanáticos no jogo de bola. Rapidamente demarcaram um retângulo na areia, dois tocos de madeira de cada lado assinalando os gols.

E a estúpida pelada começou. Os petardos que desferiam na redonda estavam a exigir defesa anti-aérea para neutralizá-los.

Eu permanecia quieto tentando ler meu jornal.

“- Mata! Mata! Mata!”

Eram os meninos que viram um indefeso sirizinho que saíra do buraco procurando encontrar alimento e tentava voltar à toca.

Acerquei-me da mãe deles. “- Minha senhora. Eu sei que esses siris que rondam a praia e que estão a perseguir seus filhos são perigosíssimos. E uma mordida deles é algo sério. Pode dar enfisema. Ou escorbuto. Permita-me sugerir-lhe. Porque a senhora não muda de lugar? Porque este pedaço da praia está infestado deles. Logo mais a frente, próximo ao canal, a areia é mais fofa e os siris ali não conseguem viver.

Deixe-me contar-lhe: há poucos dias atrás uma menina que dormiu próximo aqueles buracos foi atacada por três siris gigantes que a confundiram com um pernil assado e teve que ser levada às pressas para o hospital. Passou dois dias na UTI e ficou cheia de marcas no corpo.

Sério?

Claro! Este local da praia é terrível! Imagine se a senhora distrair, o que eles não poderão fazer naquele seu lindo garotinho que mal sabe andar! O que acontecerá se ele cair de bunda sobre um buraco desses!

A mulher resmungou alguma coisa com o branquelo do seu marido, apontou para mim e resolveu mudar de lugar. O sossego voltou a reinar daquele lado.

“- Moço! Tem jeito de diminuir o som dessa jostra? Digo, desse rádio?”

“- Porque? Tá incomodando?”

“- Claro que não. Sou vidrado em música sertaneja. E esse programa que você escolheu é meu preferido pois só toca as melhores. Mas é que estou tratando uma doença que chama otite espinolícia que faz a cabeça estourar com som alto. Percebe como está inchado esse ouvido esquerdo? Não quero incomodar. Apenas pedir para diminuir um pouco o volume.”

O rapaz olhou meio de lado, fez cara de quem não gostou muito e disse: “- Tudo bem, ô meu. Se é isso ligo o fone de ouvido.”

E voltei a ouvir o barulho das ondas.

Cheguei-me a um dos rapazes que jogavam bola. “- Irmão. Desculpe falar mas tô com medo. Fui atropelado, passei duas semanas na UTI e recebi três placas de platina no cerebelo, aqui do lado. Tá vendo, debaixo do cabelo essa saliência? Estou com o cérebro exposto. E se essa bola bater na minha cabeça eu morro.”

“- Por nada não, mas queria fazer um pedido. Eu não posso sair deste lugar porque minha irmã me controla lá da janela daquele prédio. Mas será que vocês não podiam jogar um pouco mais lá embaixo?

“- Claro. Porque não falou antes? Zé, gritou para o companheiro. Vamos jogar mais perto da água.”

“- Obrigado. Vocês são amigões.”

Deitei de novo. Finalmente pude concentrar-me no jornal.

Dava notícias de guerra, informava sobre assaltos, acidentes, mortes, crise e sobre uma montanha de gente sem emprego.

Paciência! Fazer o que?

Sei das minhas limitações. Não dá para consertar tudo!