CARPINTARIA À MODA DE BERTOLD BRECHT, OU OS RISCOS DA PRODUÇÃO COLABORATIVA

Primeiro, vem alguém e coloca o seu poetrix na berlinda.

Depois, vem um outro e diz que o título não presta.

Aí, alguém afirma que o primeiro verso é pobre.

Um quarto, diz que o segundo verso não combina com o primeiro.

Um quinto desconfia que o terceiro verso está cheio de segundas intenções.

Um outro discorda e diz que o terceiro verso está de pé quebrado.

Uma sétima pessoa diz que pode jogar tudo na cesta do lixo.

Um oitavo diz que não, basta trocar todos os verbos por substantivos.

Um outro, não satisfeito, vem e troca tudo de novo.

Aí, alguém observa que falta o susto e quase te mata de medo.

E vem aquele que corta todos os artigos.

E tem outro que acrescenta duas interrogações e algumas reticências...

Um décimo terceiro afirma que faltam recursos... expressionais.

Aí vem um perfeccionista, condena a rima e diz que a métrica está errada.

Outro afirma que a metáfora está fora do tema.

Um outro acrescenta que falta concisão e clareza.

Outro diz que falta metonímia e prosopopéia.

E um poeta diz: - Bem lembrado... Cadê a melopéia?

E um outro: - Logo vi, sabia que faltavam fanopéia e logopéia...

E alguém pergunta: - Só isso? Esse poema está é sem pé e nem cabeça!

Mas o outro complementa: - Gente, na verdade o problema todo é a falta de coerência interna... e externa também!

E outro diz que o poema não tem nenhuma originalidade.

O outro confirma: - Exatamente, é plágio de Leminski e Alice Ruiz...

Alguém olha, analisa e diz que está faltando mesmo alguma coisa...

Eu fiquei pensando se isso aqui não é um haicai... Mas falta o kigô!

E o outro diz: - Sabe o que é? Tá faltando identidade!

Exatamente, confirma o outro. Afinal, isso é poesia ou arte culinária?

É mesmo, tá parecendo uma salada... Deixa eu mexer mais um pouco...

Salada? Mais parece uma aberração, um Frankenstein! “Science fiction...”

Convenhamos: muita gente mexeu, aqui e ali.

Eu ainda cortaria alguma coisa.

E um outro olha desanimado: - Ainda assim o poema me parece bem fraquinho.

Alguém pergunta: -E o título, qual vai ser afinal? Poema da mãe Joana?

Um outro bate nas suas costas: - Eu quero ver é se você vai ter coragem de assinar esse poema...

- Porque eu vou te dizer uma coisa com toda a franqueza: eu tenho a absoluta certeza de que você acabou de escrever o pior poema da sua vida...

E, olhando nos seus olhos, arremata: - Por que você não abre logo uma editora?

E você fica meio sem jeito, procurando um buraco pra se enfiar.

E toma uma resolução final diante de tanta sapiência que te rodeia.

“Vou me embora pra Bahia,

Porque lá sou amigo do *GG-Rei:

Publicarei o poetrix que eu quero,

Na antologia que escolherei!”

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*GG é uma alusão ao poeta baiano Goulart Gomes, criador do gênero poetrix.

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*José de Castro, jornalista, poeta, escritor. Autor do livro de humor “Quem brinca em serviço... tem mais horas de lazer.”(Natal: Sebo Vermelho, 2002, edição esgotada). Escreve também para o público infantil e para adultos. Autor dos livros “Apenas palavras” e “Quando chover estrelas”. Membro da UBE/RN. Colabora com o Movimento Internacional Poetrix – MIP. Participou da coletânea “501 poetrix para ler antes do amanhecer”, das coletâneas I e II Fagulhas Poéticas (poetrix) e da Antologia 5 Poetrix, do MIP. Tem página no facebook e publica no Recanto das Letras. Contato: josedecastro9@gmail.com

José de Castro
Enviado por José de Castro em 27/02/2018
Código do texto: T6265419
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