O ALFAIATE QUE LEVOU CANO DO FREGUÊS

Carlos Pereira era meu alfaiate. Bom oficial, preços módicos. Embora seu atelier não fosse luxuoso, funcionava na sala de sua residência, tinha vasta clientela. Era agradável e bom de prosa. Certa vez, após emagrecer muito, levei uma calça para que ele apertasse. Combinamos o preço e ele marcou a data da entrega do serviço. No dia combinado fui lá pegar a calça. Ele estava cortando o tecido para a confecção de um terno. Perguntei se a calça estava pronta e ele disse:

-Falta só um arremate, espere aí que você já a leva, enquanto isso, nós vamos proseando.

Abandonou o serviço começado e foi terminar o meu. Sentei em um tamborete e fiquei conversando abobrinhas com ele. De vez em quando passava uma pessoa e o cumprimentava. De repente ele me disse:

-Conhece aquele sujeito que está passando do outro lado da rua?

Olhei, vi o sujeito e disse:

-Conheço só de vista, sei onde ele mora, mas não sei o seu nome.

Ele disse:

-Pois é, quando tem uma pessoa ruim para pagar, na família sempre terá outro. E começou a me contar um causo.

-O irmão dele me procurou há certo tempo e me pediu para fazer um terno. Escolheu a casimira mais cara que tinha, fez mil e uma exigências, escolheu o moderno do terno: Estilo jaquetão, que estava em moda na época. Veio várias vezes experimentar, reclamar... Quando ficou pronto, felizmente ficou satisfeito. Na hora do “vamos ver” ele me pediu trinta dias de prazo para pagar. Fiquei muito contrariado, não o conhecia, não havíamos combinado, e o material usado era muito caro.

Acabei concordando, exigindo que ele assinasse uma promissória. No dia do vencimento ele não apareceu, esperei cinco dias e resolvi procurá-lo. Ele através de evasivas me enrolou, dizendo que tinha um dinheiro para receber e assim que recebesse me procuraria. Cobrei dele várias vezes, em vão. Pedi que me devolvesse o terno e ele não concordou, dizendo que ia pagar, que ia pagar...

Até que me venceu pelo cansaço. Um ano e meio depois rasguei a promissória e joguei no lixo. Certo tempo depois, esse cidadão aí, veio em minha oficina e disse:

-Foi o senhor que fez um terno para meu irmão, o fulano de tal?

-Foi sim. O sujeito falou:

-Ele não pagou o senhor, não foi?

-É verdade, você veio pagar para ele?

O sujeito na maior cara de pau disse:

-Não... Eu queria ver se o senhor me faria um terno nas mesmas condições...

Essa foi de amargar...

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HERCULANO VANDERLI DE SOUSA
Enviado por HERCULANO VANDERLI DE SOUSA em 05/03/2018
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