O CHÁ DA MEIA NOITE

O CHÁ DA MEIA NOITE

Ronaldo José de Almeida

Dorita entrou na casa correndo da chuva, com um pedaço de plástico sobre a cabeça, foi direto para cozinha, olhou para Tiana que estava mexendo nas panelas e disse: -- Tiana, sua comida está cheirando lá na rua.

-- E que cheiro ótimo, me abriu o apetite.

-- Que bom, assim você almoça conosco, já está quase pronto, minha querida e o Betão chega logo.

-- Tudo bem, vou aguardar na sala.

Após o almoço, Dorita notou que sua amiga Tiana parecia preocupada e perguntou:

-- Alguma coisa a preocupa, Tiana? Sinto que você não está bem, posso ajudar minha amiga?

-- Dorita, como você é tinhosa minha amiga, nada lhe passa despercebido, estou com um problema muito íntimo.

-- Pois bem, se quiser confiar Tiana, estou aqui.

-- Vou lhe contar Dorita, é sobre o meu marido.

-- Estou ouvindo, Tiana, pode falar.

-- Sabe Dorita, é que o Betão não tem me procurado, por mais que eu me esforce, ele não mostra interesse.

-- Meu Deus, Tiana, eu pensei que você fosse me dizer que ele tivesse arrumado outra.

-- Deus me livre, Dorita, você tem cada uma, é problema de saúde.

-- Mas continue, Tiana, e aí?

-- É isso aí, Dorita, o homem está frio comigo, deita, dá boa noite, vira e dorme, e eu? - como é que eu fico?

-- Há quanto tempo isso vem acontecendo?

-- Olhe, já vai para uns seis meses.

-- Nossa Senhora! Então é grave minha amiga.

-- Grave? É gravíssimo.

-- Me diga minha amiga, você tem feito alguma coisa para atiçar seu marido?

-- Olhe Dorita, vou lhe dizer a que ponto eu já cheguei:

-- Certa noite eu coloquei um baby-doll rosa transparente, sem calcinha. Eu fiquei linda, perfumada, irresistível mesmo e muito insinuante, sentei-me na banqueta da penteadeira. O meu marido me olhou com o canto dos olhos, ele estava recostado na cama assistindo ao telejornal, e então, no melhor estilo Sharon Stone naquele filme Instinto Selvagem, cruzei as pernas. O Betão levantou-se devagar, caminhou na minha direção, arrumou o meu baby-doll e disse baixinho:

-- Cuidado ou você pode gripar.

-- Não acredito Tiana.

-- E tem mais, Dorita, a semana passada quando estávamos no quarto, resolvi tomar um banho, ao sair do chuveiro, eu coloquei aquela roupa da Tiazinha, shortinho bem curto, blusa curtíssima com enorme decote, máscara e chicotinho, tudo preto. -- disseram-me que os homens adoram, pois sim, quando entrei no quarto, achando que iria fazer sucesso, o Betão virou e disse-me quase gritando:

-- Que susto Tiana, pensei que era o Zorro.

-- Ninguém merece, ninguém merece, disse Tiana revoltada.

-- Olhe Tiana, lembra-se da Aurora? Ela teve um problema igual ao seu, mas felizmente conseguiu resolver, vou conversar com ela e depois lhe digo.

-- Me ajude minha amiga, conto com você.

-- Vou conversar com ela, mais tarde eu volto.

Na manhã seguinte, Dorita retornou à casa da amiga e foi logo contando a novidade.

-- Tiana, conversei com a Aurora, ela me disse que o Pai Zulu de Angola resolverá isso para você.

-- Você tem o endereço, Dorita?

-- Tenho sim, está aqui comigo.

-- Vamos lá agora, vou apanhar a minha bolsa.

Logo estavam diante do pai-de-santo. Tiana narrava o seu problema de cabeça baixa, lamuriava queixas infindas contra o marido, mesmo reconhecendo ser o infortúnio de caráter patológico.

Assim que terminou o expositivo levantou a cabeça olhando o negro alto e de idade avançada, barba e cabelos brancos que lhe disse:

-- Minha filha precisamos cuidar do seu marido, vou lhe dar um preparado e uma receita para você fazer, é um chá e um pó para você fazê-lo beber e comer à meia noite.

Em seguida chamou um ajudante e mandou preparar uma farofa com rabo de lagartixa, raspa de dente de siso, olho esquerdo de tatu, pêlo de fêmea de gambá, casca de jatobá. Deu-lhe também uma garrafa com chá para ser bebido também à meia noite.

No bar do Nicolau, Betão e seus amigos estavam reunidos para a tradicional cervejada do sábado.

Dorita, faladeira como era, contou ao seu marido Tone Preá todo o drama de Tiana e Betão. Tone Preá por sua vez passou a notícia aos demais amigos, assim todo mundo sabia o melodrama do casal.

Quando Betão foi ao banheiro do bar, Tone Viana disse:

-- Será que o preto velho vai resolver o problema do Betão?

-- Eu acho que ele vai arrebentar - disse Márcio Caolho.

--Também acho, o Pai Zulu é fera, resolve mesmo -- confirmou João Galinha.

Mais tarde, já anoitecendo, Betão voltou para casa, foi chegando já cambaleante e desabou na sua poltrona preferida, colocada em frente à televisão. Em poucos minutos estava dormindo.

Antes da meia noite, Tiana o acordou pedindo-lhe que tomasse banho e voltasse para lanchar antes de dormir.

De banho tomado, o marido ocupou seu lugar na mesa, tomou de imediato um copo do chá preparado pelo pai Zulu de Angola. A farofa de anojosos ingredientes circundava a travessa de carne, diga-se de passagem, de ótima aparência.

O marido comeu muita carne e farofa, assim como bebeu bastante chá gelado, indo dormir em seguida.

No domingo bem cedo, Dorita já estava na casa da amiga para saber as novidades:

-- Então, Tiana, foi tudo bem?

-- Que nada minha amiga, o guloso do Betão comeu tanto e bebeu tanto chá que passou a noite no vaso sanitário com uma baita diarréia.

* * *

RONALDO JOSÉ DE ALMEIDA
Enviado por RONALDO JOSÉ DE ALMEIDA em 02/09/2007
Reeditado em 18/12/2007
Código do texto: T635193
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