Beata Christina

Uma leitora me telefona:

- Christina, acabo de ler o seu livro. Adorei! Eu andava precisando de otimismo, alegria e bons pensamentos; o seu livro veio a calhar! Deveria chamar-se "Evangelho Segundo Christina Cabral!".

Pelo-amor-de-Deus! Já me vi coroada, num andor, a voltear pelas ruas da cidade, morrendo de medo de cair de lá de cima e me estrompar no chão.

Depois me vi sozinha, num altar de uma imensa catedral - sim, porque, se sonhar não paga imposto, vamos sonhar grande! - com aqueles santos todos, dignos e compostos, e eu fazendo esforço para imitá-los: - "Firme, Santa Christina, segure a pena que você traz na mão direita e o caderno na esquerda. Arrume este olhar, que está muito gaiato. Pôe santidade nisto! Não, não feche os olhos, porque você pode pegar no sono e roncar dentro da igreja, o que não pegará bem! Agora reze e peça a Deus por todos os escritores, para que encontrem editores, distribuidoras, jornais e revistas dispostos a apoiá-los e propagar o seu árduo trabalho. Deixe de momice e não se coce com a pena. Mire-se na compostura dos santos. E por falar nisso, você já atendeu os pedidos dos seus devotos? Já inspirou cronistas, versejadores, romancistas? Olha lá; cuidado com as inspirações, minha Santa Christina, você anda muito malandrinha... Acorde a sensibilidade, o romantismo, faça renascer a poesia parnasiana que, pelo menos, não dá briga! Além do mais, os poetas voltarão procurar rimas e a contar a metrificação nos dedos... Já pensou que trabalheira? E você receberá flores e velas acesas! Faça por merece-las!"

Esta impressão de me ver num altar foi se aderindo a mim, à minha personalidade inquieta e extrovertida. Sentí-me, de repente, amordaçada, enclausurada naquela singela estátua, envolvida em gesso. Vi-me rodeada de rogos, de lágrimas de frustrados escrevinhadores e, como santa recém impossada, corria o risco de um descrédito geral e ser tachada de "santinha-do-pau-oco", de "santa-de-pé-de-barro" e ser destronada com a vaia dos meus antigos fieis. As flores que os devotos haviam me oferecido, tornaram-se cardos espinhosos, num piscar de olhos e as velas, tão alvas e chorosas, deixaram de escorrer suas lágrimas de cera e suas chamas se avolumaram e passaram a lamber-me os pés. Oh! Céus! Para Joana D"Arc falta-me tanto!

Nas primeiras queimadelas, rebanhei as barras do manto, saltei do altar e vim pedir, implorar encarecidamente, à minha gentil leitora que me desentronize. Que me deixe livre, para escrever minhas besteiras; esqueça meus arroubos evangélicos, e passe a ler e dar conta, apenas, das minhas papagaiadas. Não, não, minha querida leitora, eu seria péssima companhia para os quatro Evangelistas: eles se perderiam dentro das minhas crônicas disparatadas, ou se retorceriam de rir, diante da minha figura santificada: alta, magra, descabelada, de óculos, e me esforçando para manter a boca fechada.

Christina Cabral
Enviado por Christina Cabral em 08/09/2007
Código do texto: T643677