SÓ VENDO A VISTA...


Seu Nicanor estava cansado da vida que estava levando como agricultor e criador de aves e animais domésticos e decidiu, de uma hora para outra, mudar de vida. 

Na sua propriedade, enquanto lá viveu, ele criou, comprou e vendeu muitas aves, tais como galinhas, gansos, patos e perus e alguns animais domésticos, mas todo o seu negócio era feito a dinheiro, nada de deixar o pagamento para depois.

Desde muito moço ele aprendeu que não deveria comprar e nem vender fiado; tudo o que ele comprava ou vendia tinha de ser a dinheiro, nota em cima de nota e assim tinha vivido seus dias na condição de agricultor e criador de aves e animais de corte.

Por iniciativa do seu genro, contador recém formado e especialista em vendas, ele decidiu vender sua propriedade rural, de porteira fechada, ou seja, com tudo o que tinha dentro dela, e se estabelecer como comerciante. Seria um proprietário de uma loja de rações para cães e gatos e de produtos veterinários. 

Levaria, a partir daquele momento, uma nova vida, longe dos mugidos dos poucos bovinos que, até então, mantinha na sua pequena fazenda, assim como ficaria livre do mau cheiro das titicas produzidas pelas aves que ele criava ali.

Na condução do seu novo negócio, também contaria com a ajuda maciça da família. A começar pelo apoio de suas filhas, sobretudo daquela casada com o contador, bem como dos demais filhos. Eles eram, ao todo, dez pessoas: três mulheres e sete homens. A esposa dele jurou que não iria se envolver com os afazeres da loja; apenas cuidaria das atividades do lar.

O contador, muito empolgado com o comando da administração geral do novo empreendimento, se encarregou de orientar todos os envolvidos visando à realização de cursos voltados para o entendimento técnico das operações inerentes àquele ramo de negócio. Não queria ninguém que estivesse alheio às atividades rotineiras na efetiva condução dos negócios da loja. E aproveitou o ensejo para empregar o seu irmão, recém formado em medicina veterinária.

Após o cumprimento das imposições legais, médicas, tributárias e socioambientais de praxe, a loja, finalmente, foi inaugurada.

O primeiro dia de funcionamento desse estabelecimento após a inauguração foi um sucesso em vendas. Vendeu-se de tudo um pouco e a preços promocionais. A clientela ficou entusiasmada com a qualidade dos produtos e do atendimento. Seu Nicanor não cabia dentro de si de tanta felicidade. Os seu filhos estavam rindo à toa. E para aumentar o entusiasmo do seu genro, ele ao fazer as contas daquele dia, já estava pensando em aplicar parte do lucro das vendas em títulos da bolsa de valores. 

No dia seguinte o Seu Nicanor foi o primeiro a chegar ao estabelecimento. Abriu a loja antes do horário, uns quarenta minutos mais cedo, bem antes dos demais integrantes do grupo de vendas. Para sua surpresa já havia uma considerável fila de clientes na frente da loja. Um rapaz, trazendo um cão de meia idade no seu colo, parecia estar bastante nervoso, ou talvez ansioso para ser atendido logo e gritou lá do meio da fila:

- O meu caso é de urgência, pois meu cachorro brigou hoje cedo com um gato e se deu mal e pelo que pude avaliar num primeiro momento ele está quase cego. O senhor poderia me atender agora e eu voltaria para pagar depois? Sou aquele seu vizinho da casa que fica em frente da sua  completou.

Seu Nicanor, que não gostava de vender nada para receber depois, respondeu ao rapaz, num tom um pouco baixo, quase sussurrado:

- Só vendo a vista...

O rapaz, que antes parecia muito nervoso por ainda ter de esperar um pouco mais na fila, ficou mais calmo, porém meio confuso, após a resposta dada pelo Seu Nicanor.

Na verdade, aquele tipo de atendimento meio de urgência não era da alçada dele e sim do médico veterinário. O que ele quis dizer para o cliente era que não vendia fiado, mas o cliente não entendeu nada e demonstrando estar satisfeito com o atendimento inicial, esboçou um parco sorriso e perguntou-lhe:

- O senhor vai verificar as vistas do meu animal agora ou vai deixar para fazer isso mais tarde?

Seu Nicanor, já estava um pouco nervoso e sem querer demonstrar nenhuma suspeita de irritação ou comportamento de uma pessoa mal-educada, deu uma olhadela por sobre os ombros, e novamente sussurrando, reafirmou o que havia dito antes:

- Meu rapaz, tenha um pouco de paciência. Só vendo a vista e por gentileza, queira aguardar um pouco e foi saindo para dar atenção a outro cliente que lhe chamava.

Ante àquela confusão formada, nem é preciso dizer que após aquele diálogo, sem pé nem cabeça, o cliente não entendeu patavina o propósito do Seu Nicanor, nem seu Nicanor entendeu qual era o dele.

Na verdade, o assunto que estava sendo discutido pelo cliente era o estado da vista do seu animal e quanto ao Seu Nicanor, seria a modalidade da venda de sua preferência?

Sabe-se que aquela conversa malcomeçada fora consumada momentos mais tarde com a chegada do veterinário e do contador, que trataram de atender as necessidades daquele cliente. 

Quanto ao mal-entendido inicial entre o proprietário da loja e o cliente, estaria Seu Nicanor se referindo mesmo à modalidade da transação comercial preferida por ele ou ao problema de saúde do animal do cliente?
Germano Correia da Silva
Enviado por Germano Correia da Silva em 11/09/2007
Reeditado em 26/11/2010
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