LENICE

Lenice acordou especialmente mais introspectiva que de costume, amanheceu com vontade de ouvir pouco e falar menos ainda. Também não estava para devaneios, nem para analisar a essência da condição humana. Decididamente não estava nem um pouco dada a filosofias. Tampouco a convescotes. Mas, como nem tudo sai conforme queremos ou planejamos mal se ergueu da cama e tocaram o interfone. Teve vontade de não atender, visitas àquela hora da manhã, justo num dia em que não estava a fim de conversas, era demais. Entretanto, para depois não ficar com a consciência pesada, resolveu atender.

- BOM DIA SENHORA!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

Sabe aquele “Bom Dia” de vendedores domiciliares, ou de funcionários de telemarketing que ligam insistentemente oferecendo seus produtos e serviços? Pois bem, há poucos metros, mais precisamente na calçada de sua casa, diante de seu interfone, justamente num dia em que não estava querendo conversas, havia alguém efusivamente gritando bom dia e ainda por cima, para derrotar sua pouca auto-estima, chamando-a de senhora, só para lembrar que já não tinha mais o timbre de voz de uma adolescente.

- Pronto! Só falta ser um vendedor – pensou rapidamente, mas como já havia atendido falou secamente – Diga o que o senhor deseja.

- Vim entregar um telegrama animado.

E ela que não estava nada animada disse que ele lesse o telegrama rapidinho e fosse embora.

- Não posso senhora, há uma coreografia, a senhora precisa ver, senão não recebo o meu pagamento.

- Sete horas da manhã, em pleno domingo é fogo né? Tinha hora melhor pra vir não?

- Mas senhora, quem lhe enviou a mensagem disse que a senhora acorda às cinco da manhã.

- Estão de gozação comigo, só pode ser, mas tudo bem, espere um pouco que já vou, mas não me chame mais de senhora!

- Tudo bem senhora, não chamarei mais, me desculpe é que minha mãe me ensinou a respeitar os mais velhos.

- O que? Ta me chamando de velha seu moleque!?

- Não senhora, ôps desculpe, só estou querendo fazer o meu serviço e ir embora.

- Espere aí que já vou.

Desligou o interfone ainda com mais raiva e resmungou – Onde já se viu uma coisa dessas, nem me conhece e me chama de velha.

Só para fazer o mal, demorou bastante trocando de roupas e quando ia se dirigindo à porta o interfone tocou novamente:

- Diga!!!!!!!!!!!!!!!

- A senhora ta bem? Aconteceu alguma coisa?

- Claro que estou bem, só estava me trocando.

- Ah bom, me desculpe, esqueci que quanto mais idosas, mais as pessoas demoram a se arrumar, é o reumatismo né?

A essa altura ela já estava a ponto de explodir de tanta raiva. Não respondeu nada e foi abrir a porta. Quando abriu o portão, deparou-se com uma figurinha franzina, vestido de vovó bondosa, com o rosto corado, suado e cantando uma musiquinha que homenageava as avós. Quando a viu o rapaz teve um susto.

- Mas tão nova e já é avó?

- Ora essa, nem filhos eu tenho que dirá netos!

A mensagem era para sua vizinha, uma senhora de uns 90 anos e que é avó de um batalhão de netos.

Depois dessa decidiu que não iria mais acordar com vontade de ficar sozinha quieta na sua, sem falar com ninguém. Parece que muitas vezes conseguimos exatamente o oposto do que almejamos. Tomou um belo banho, vestiu uma bela roupa e foi pro clube bater papo com os amigos. Definitivamente aquele não era um bom dia para adotar a solidão como companheira.

Luciana Rodrigues de Araújo
Enviado por Luciana Rodrigues de Araújo em 29/10/2005
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