PECADOS & MENTIRAS
 
              Como sabem os meus amigos e as pessoas com quem convivo mais proximamente, eu não professo nenhuma religião. Não que eu seja um ateu, porque creio na existência de uma ordem superior e, até, na possibilidade de vidas anteriores e posteriores a esta. Sou, portanto, aquilo que alguns classificam como “agnóstico teísta”.

            Não sigo nenhuma doutrina específica, mas guardo um absoluto respeito pelas crenças, convicções e cultos alheios. Seja lá qual for a sua natureza. Exceto, naturalmente, aquelas práticas voltadas para fazer o mal ou aquelas igrejas criadas e lideradas por estelionatários, travestidos de pregadores e missionários, que espoliam os aflitos e desesperados de seus bens materiais.

       Mesmo assim, venho de uma família cristã, originalmente católica, embora alguns tenham derivado para outros ramos do cristianismo. Só que os meus pais eram daquele tipo chamado de “católicos não praticantes”. Todos nós fomos batizados, crismados e fizemos a 1º comunhão, de forma festiva. E como também me casei pelo rito da Igreja de Roma — aí, por opção da família da noiva — noto que, dos principais sacramentos do catolicismo, só está me faltando a “extrema-unção”, o que não chega a ser uma lembrança muito feliz para mim.

            Não pela orientação religiosa, mas pela qualidade do ensino, fui aluno do Colégio Salesiano Santa Rosa, em Niterói, durante algum tempo. E, como fizesse parte do regulamento, embora sendo um católico relapso, tive de me enquadrar nas regras do educandário. Das quais constava, entre outras coisas, a obrigação de participar de uma missa aos domingos, com a frequência registrada, além da de confessar e comungar em algumas datas especiais.

            Era aí que a coisa pegava para mim! Não pela missa ou pela comunhão, mas pela confissão. Porque, enquanto eu esperava na enorme fila do confessionário, junto com os demais alunos, eu tentava me lembrar do que fizera de mal, que pudesse ser considerado um pecado merecedor de relato ao padre, para receber uma penitência. Briguei com o meu irmão, mesmo sem trocar uns tapas com ele? Eu me fiz de surdo quando a minha mãe me deu alguma ordem ou tarefa, do tipo “vá arrumar a sua cama”? Fingi que estava passando mal, para gazetear um dia de aula?

            Vale lembrar que os pré-adolescentes da minha geração não tinham muitas oportunidades para cometer tão grandes pecados. Um pouco, pela falta de oportunidade e pelo rigor na disciplina doméstica, num tempo ainda sem “a lei da palmada”. E outro tanto, porque aqueles pequenos delitos, no meu ingênuo entender, não seriam suficientes para impressionar o confessor. Assim, pensava eu, ele haveria de imaginar que eu estava escamoteando as minhas faltas mais graves na hora da verdade.

            Esse era um pensamento que sempre me ocorria na fila da confissão... Até me acender a luz de uma ideia, que me ajudou a resolver essa questão e a sossegar as minhas preocupações. Antes de ser ouvido pelo padre eu “inventava” alguns pecados mais graves — que realmente não cometera — para relatar àquele a quem eu deveria revelar as minhas imperfeições. E, assim, o meu problema se resolvia.

         Mas, como me sobrava a consciência de que isso também se constituía num pecado (o da mentira), a última coisa que eu deixava para dizer ao confessor, finalizando o rol das minhas faltas, invariavelmente, era:
            — Eu também menti muito...

    Desse modo, aplacava a minha consciência de insignificante pecador, além de limpar o meu conceito com o plano superior, por não ter deixado de avisar ao confidente que eu havia feito uma mistura de pecados e mentiras.

            O único problema é que paguei muita penitência por pensamentos que não tive, por palavras que não disse e por obras que não realizei. Isto é, naqueles tempos! Porque, com o passar dos anos, precisei recorrer a esse crédito algumas vezes.


Ilustração: Google Imagens (chargeonline.com.br).