PENSE NUMA DECEPÇÃO!

          Advogando na área de família durante muitos anos, já me defrontei com algumas situações inusitadas — e, às vezes, muito divertidas — suficientes para que eu escrevesse um livro, cujo título poderia ser bem sugestivo, para evidenciar o seu conteúdo: “A minha vara é de família”!

            Um livro que, apesar disso, eu nunca escrevi e por três razões. Porque não queria que ninguém entendesse que o advogado estava rindo das desditas de seus clientes. Para que não me aparecesse nenhum calhorda, colega de profissão, que me denunciasse à OAB por propaganda irregular, pelo título da publicação. E, finalmente, como é óbvio demais, porque eu nunca destinei algum tempo a essa tarefa.

            Para mim, foi um desses projetos que ficam perdidos na vida de todas as pessoas, embora, de vez em quando, eu me lembre de alguma situação e me arrependa de não haver levado a ideia adiante. Como aconteceu há poucos dias, durante uma conversa sobre vinhos, na qual eu mencionei a minha preferência e aquela história voltou à minha lembrança.

            Como advogado, cuidei do divórcio de um casal, resultante de uma calcificação sofrida pelo marido — nascera-lhe um par de chifres na testa — e foi, como costuma ser a maioria das separações, um período estressante para ambos. Acompanhei os dois durante alguns meses, porque optaram pela via consensual e, findo o processo, havia se estabelecido entre nós um relacionamento muito cordial.

           Coincidiu que o marido, agora divorciado, frequentava o mesmo bar que eu, no centro da cidade, onde um grupo de assíduos clientes se encontrava nas manhãs de sábado, para tomar seguidos cafezinhos e “jogar conversa fora”. Então passamos a nos encontrar, semanalmente, naquele ponto. Até que um dia, numa daquelas manhãs, ele me confidenciou uma coisa e me pediu uma sugestão.

            Estava morando num apartamento alugado, porque, para variar, a mulher havia ficado com a casa, no divórcio. E ao prédio chegara uma nova vizinha, também desacompanhada (ou, melhor dizendo, tão bem desacompanhada), que, no seu modo de descrever a situação, “do pescoço para cima estava mais para bem passada; mas, do pescoço para baixo, estava ao ponto”. E bota “ao ponto” nisso”!

            O que importa é que estava “rolando um clima” entre os vizinhos, naqueles encontros eventuais pela chegada de um e saída da outra ou vice versa. Até que, finalmente, surgira uma oportunidade e ele a convidara para tomarem um vinho, justamente naquele sábado. Portanto, o que ele queria era alguma sugestão sobre o vinho e os petiscos que poderia servir à convidada especial daquela noite.

            A preocupação dele, recém-saído de um casamento, era fazer um bonito papel diante da nova vizinha, a quem, pelo que deduzi, pretendia mostrar o seu apartamento, obedecendo a seguinte e lógica ordem: sala, banheiro e quarto. Sugeri um branco e seco alemão, da minha preferência e uma tábua de frios, para não complicar muito os preparativos. E desejei-lhe muito boa sorte naquela noite e noutras mais, que pudesse vir a ter, em tão boa companhia.  
            Só voltamos a nos ver no sábado seguinte, no mesmo bar de sempre. E, tomando o primeiro cafezinho da manhã, eu lhe perguntei se tudo havia corrido na medida das suas expectativas, no encontro do sábado anterior. Ele me disse um “mais ou menos” sem muito entusiasmo e em seguida explicou:

            — Aquele vinho que indicou, eu não conhecia. Mas é, realmente, uma delícia! Tão bom que, quando a garrafa foi chegando ao final, eu comentei com ela: que vinho gostoso esse, né? Foi um amigo que me sugeriu... 

            Foi aí que ela respondeu:
            — É gostoso sim... Mas, bom mesmo é um vinho que eu tenho lá em casa! Se você quiser, eu posso ir buscar.

           Não seria o caso de uma “parada para abastecimento” no meio do percurso, mas também não daria para dizer que não, numa circunstância daquelas. Então ela foi e retornou, logo depois... Trazendo, a tiracolo, um garrafão de cinco litros, já aberto, de um Galiotto tinto e doce como mel, daqueles de dar, no primeiro gole, uma dor fina na mandíbula do cidadão!

        Cortou o clima do cara e pôs a perder toda a preparação que ele fizera, para ter uma noite de charme e romantismo com a vizinha sem noção. Pense numa decepção!


Ilustração: Google Imagens