FOGO NO CABARÉ

            Como dizem, a maré não está prá peixe. As coisas da política, no Brasil, estão tensas e nos transformamos numa sociedade de extremos, em que a maioria das pessoas desaprendeu a fina arte da conversa, do enfrentamento das divergências num nível elevado, da contraposição elegante dos argumentos. E substituiu tudo isso pelo grito e pelas ofensas.

            Sinal dos tempos. Agora mesmo estamos assistindo ao confronto das instituições, de quem deveríamos receber o exemplo da convivência civilizada e da discordância com respeito. Estamos partindo para um “tudo ou nada”, que não chega a ser inédito em nossa história, mas que, de qualquer maneira e outra vez mais, acaba sendo traumático para a democracia.

            Vamos ver no que irão resultar essas mobilizações de lá e de cá. Mas o que é certo — muito certo! — é que há gente apostando no “quanto pior, melhor”, torcendo por isto e querendo, como se diz, ver o circo pegar fogo. Mesmo assim, eu estava esperançoso de que as coisas tomassem um caminho melhor, até que, na postagem que fiz numa rede social, uma amiga comentou:
            — Eu quero ver é esse cabaré pegar fogo!

            Tive ímpetos de responder que não me dissesse uma desgraça dessas, porque o fogo poderia chegar até a nossa mesa: à minha e à dela, já que somos clientes desse lupanar que ela deseja ver incendiado! O que me assustou, no entanto é que se tratava de uma mineira da gema, torcedora do “Galo”, dessas que não resistem a um torresmo e a um pão de queijo. Portanto, se até os mineiros já estão querendo partir para a ignorância é que “o trem tá feio demais da conta, sô”!

            Porque os mineiros, como todo mundo sabe, são mais de uma conversinha de lado, cortando as palavras pelo meio, do que dessas afrontas desabridas que, por lá, só se admitem numa final de campeonato entre Cruzeiro e Atlético, se o juiz marcar um pênalti nos últimos minutos da partida, contra qualquer deles que estiver vencendo por um gol de vantagem.

            Fora dessa hipótese, tudo em Minas se resolve na base da confabulação. Diante disso, eu fiquei me perguntando se mudaram os mineiros ou terei mudado eu. Porque ainda tenho na memória um episódio ocorrido por lá, no âmbito do Conselho Estadual de Cultura, no início dos anos 70, quando era implantada uma radical reforma de ensino no país, a chamada reforma “Jarbas Passarinho”.

            Essa reforma nas diretrizes e bases da educação nacional, a da Lei nº 5.692/71, que entrou em vigor de forma um tanto açodada, causou, na sua implantação e implementação, um sem número de dúvidas e indagações, que eram encaminhadas para a apreciação pelo Conselho Federal da Educação (hoje, Conselho Nacional) ou pelos correspondentes Conselhos Estaduais, dependendo da origem da consulta. E, para cada caso, era emitido um Parecer, que ia sendo adicionado à nova lei, como instrumento de orientação ou interpretação deste ou daquele dispositivo.

          Isso fez crescer muito a importância desses Conselhos e também — pela justificativa do aumento no volume de trabalho que realizavam — o valor do “jeton” (espécie de gratificação paga a cada reunião) que era recebido pelos conselheiros. Foi quando, no Conselho Estadual de Cultura de Minas Gerais, alguém deu o alerta de que os dali estavam ganhando apenas duzentos cruzeiros por sessão, enquanto os membros do Conselho Estadual de Educação, de mesmo “status”, recebiam cinco vezes mais: mil cruzeiros por suas reuniões.

            A indignação foi geral. Houve quase um motim entre os conselheiros da área da cultura! Discussão para lá, discussão para cá, acabaram por decidir que suspenderiam suas atividades até a resolução do impasse e que uma comissão, representando o colegiado, iria ao Secretário da Educação e ao governador, para exigir a equiparação do “jeton” de ambos os Conselhos e um tratamento igualitário entre eles.

            Alguns, mais exaltados, logo levantaram uma bandeira e um slogan, que começaram a gritar, ali mesmo, na sala de reuniões: “MIL CRUZEIROS OU NADA!!!”. Foi quando um dos conselheiros, mais experiente e com um espírito de mineiridade mais acentuado, pôs água na fervura dos seus pares, com uma ponderação que os trouxe de volta à realidade:

            — Calma, pessoal, desse jeito, também não! “MIL CRUZEIROS OU NADA” vai ficar ruim prá nós. O melhor é “MIL CRUZEIROS OU DUZENTOS CRUZEIROS”, Porque os “duzentos”, nós já estamos recebendo.

            Tinha toda razão aquele conselheiro. E este é um apropriado exemplo daquele tipo de mineiro que entende bem o motivo exato pelo qual é sempre melhor não se tocar fogo no cabaré. É pelo fato de que quem acende o fósforo, às vezes, acaba se queimando também...


Ilustração: Google Imagens