PANDEMIA NA BAHIA

          O Brasil inteiro está vivendo essa confusão criada pelo “coronavírus”: gente preocupada, declarações contraditórias de autoridades e especialistas sobre a patologia, gente com medo, isolamento social compulsório, gente em pânico, comerciantes inescrupulosos inflacionando o preço de vários gêneros, comércio fechando as portas por decretos de governadores e prefeitos, álcool em gel que não tem prá todo mundo, presidente da República “atravessando o samba” e desdizendo o que diz o ministro da Saúde, manifestações a favor do Bolsonaro, panelaço contra ele, políticos inescrupulosos, de um lado e de outro, querendo tirar proveito da crise... Enfim, é a própria visão do Inferno no país!

            Enquanto isso, movimentos se organizam contra os idosos, que continuam a transitar pelas ruas e a jogar suas partidas de truco ou dominó, à sombra das árvores, em praças e passeios públicos, enquanto as crianças estão com as aulas suspensas e sem poderem visitar os avós.

            Outras tantas manifestações também ocorrem, como aquela de apoio e aplauso aos profissionais da saúde — que se expõem ao vírus, tentando combatê-lo — ou de cunho religioso, que conclamam as pessoas para as orações coletivas, de um “Pai Nosso” às vinte horas e de um “Creio em Deus Pai” às vinte e duas horas. Já me contaram até sobre um ateu convicto e panfletário, morador do meu condomínio, que estaria rezando o terço com a família, em todas as noites da quarentena. Mas isso, eu não sei se é verdade.

            Em meio ao caos, os baianos perceberam que também deveriam tomar posição e manifestar-se sobre a pandemia. Até porque, se esse surto se alongar demais, talvez prejudique o carnaval de 2021, o que, para eles, seria a grande e verdadeira calamidade. Assim, impossibilitados de irem para as ruas, praias e outros locais aprazíveis, que existem aos montes por lá, começaram a se organizar pelas redes sociais, que é o meio mais eficaz de comunicação no mundo de hoje.

            Começou por alguns grupos no Whatsapp e, deles, se espalhou para muitos outros mais, até que o assunto estava posto para todos os frequentadores baianos desses espaços na internet, que foram aderindo à convocação geral. A ideia era a de um panelaço a favor do governo, um protesto contra, um demorado aplauso aos profissionais da saúde e uma benção com água de cheiro para os habitantes da Bahia de Todos os Santos.

            As manifestações, conforme ficou combinado, iriam se concentrar no circuito Barra-Ondina, que corresponde ao “Sambódromo” em Salvador. O panelaço seria puxado no ritmo do Olodum. O protesto ocorreria na passagem dos trios elétricos de Ivete Sangalo e Gilberto Gil. O aplauso viria do público, mas em ritmo de axé. E a bênção com a água de cheiro, que seria aspergida pelo bloco Filhos de Gandhi, com procuração passada por um centro de Candomblé bem conceituado entre os soteropolitanos: o de Mãe Olguinha do Abaeté.

            O único problema era a impossibilidade de ocorrerem aglomerações, recomendação das mais importantes no enfrentamento da virose que está assolando o planeta. Mas os organizadores das manifestações, em sucessivas e numerosas mensagens trocadas pelas redes sociais, acabaram removendo esse obstáculo e decidiram o seguinte, para os horários destinados a cada uma delas:

            Primeiro, um áudio do Olodum marcaria o ritmo para que, de casa, cada um batesse a sua panela, com a recomendação de que também fossem utilizados raladores, frigideiras e outros utensílios de cozinha, para dar mais volume e variedade sonora aos instrumentos improvisados.

            Depois, uns vídeos de Ivete e Gil desfilando com os seus respectivos trios no circuito Barra-Ondina, enquanto os que tivessem adquirido o seu “abadá virtual” com essa finalidade poderiam, de suas casas mesmo, protestar à vontade contra o Bolsonaro e suas declarações, mais picantes do que um acarajé com pimenta em demasia. Alceu Valença ficaria de fora dessa passagem dos trios, porque já se comprometera com outras manifestações, em Recife e Olinda.

            A benção com a água de cheiro seria dada por um dos integrantes do bloco, envergando um turbante dos Filhos de Gandhi, mas de forma apenas simulada. E quem quisesse, na outra ponta da conexão, poderia jogar um pouco de álcool a 70° sobre a própria cabeça, tendo sido combinado com a Mãe Olguinha que o benzimento virtual  faria o mesmo efeito.

           Finalmente, para o aplauso aos profissionais da saúde, seria exibida uma imagem cedida por uma dessas cooperativas médicas, onde aparecem médicos e enfermeiras paramentados para cuidar dos pacientes infectados. E, os que se dispusessem a participar, bateriam palmas de casa mesmo.

            Os organizadores deixaram bem claro, no entanto, que a participação em qualquer dessas manifestações — ou em várias delas — poderia ocorrer sem que ninguém precisasse sair da rede. Porque assim, também, já seria sacrificoso demais, para um baiano de boa cepa!
 

Ilustração: Google Imagens (Wagner Miranda)