O ÉGUA, O PAI DA ÉGUA E O FILHO DE UMA ÉGUA.

Todo mundo vira santo depois que cai na idade

Mas ninguém lembra o que fez no tempo da mocidade

Eu mesmo conheço gente que hoje quer ser decente

Depois de ter aprontado meio mundo de maldade

E com vergonha da verdade tenta esconder o passado

Pedro Quengo, Malasarte, João Grilo, Canção de Fogo

As custa de muita gente não fizeram meio jogo

Eu mesmo não incrimino presepada de menino

Que eu fui menino também, sei o que menino faz

Longe das vistas dos pais, sem cabresto de ninguém.

Chico Pedrosa

Uma coisa que hoje tenho consciência é que a bebida é pro bem e pro mal, tanto espiritual quanto físico. Ela revela a personalidade do homem e raramente este consegue esconder seus desejos mais profundos diante dos momentos de embriaguez.

Francisco José, mais conhecido por Chicão por conta dos seus quase um metro e noventa, foi um grande companheiro de farra, cara inteligente e espirituoso, me deixou saudades do tempo em que a responsabilidade não tinha vez diante dos questionamentos da embriaguez. Pensávamos que beber sem botar boneco era o mesmo que mijar fora do caco e homem que não bebe não é confiável. Foi um dos caras com quem mais tive a satisfação de me embriagar.

Nessa estrada cambaleante e cheia de curvas e copos da minha vida de filosofo de boteco, entre conversas diversas e embriaguez seletiva, encontrei e identifiquei ao menos três tipos de bêbados.

O ÉGUA, O PAI DA ÉGUA E O FILHO DE UMA ÉGUA.

Os fatos que agora vou narrar ocorreram depois das minhas aventuras e desventuras pela Amazônia. Nesse relato você certamente vai encontrar esses três tipos peculiares de bêbados, as vezes separados e outras vezes como uma única entidade na mesma pessoa.

De volta a Fortaleza, me bate uma saudade de Tabuleiro e dos poucos amigos de infância que ainda ficaram por lá, me preparei pra uma visita na semana santa de 1987, ano que antecedeu o do nascimento do meu único filho, portanto eu ainda andava pela vida sem grandes responsabilidades.

Cheguei a Tabuleiro numa quinta-feira, desci do ônibus ainda na Rua Batista Maia e fui até o bar do Lailson, este não me reconheceu, já que eu tinha saído de lá com quize anos e quarenta e sete quilos e já contava vinte e três, beirando os oitenta. Depois de devidamente identificado, falamos do tempo em que no local do seu bar funcionava a oficina e fabrica de carroças do seu pai, o Sr. Antonio Mauricio, das presepadas do Pola e Chico seus irmãos, que me aturaram muito quando criança. Uma das coisas que eu mais gostava era os ver fazendo carroças, de vez em quando me deixavam de castigo esquentando os ferros na forja. Tomei duas cervejas e fui à esquina prestigiar também o bar de Zé Maria de Pedro Aleijado, este me reconheceu de imediato e a conversa foi boa, perguntou pelos meus pais e como estavam meus irmãos, depois foi atender outros clientes que solicitavam sua atenção. Vizinho ao bar de Zé Maria pela Rua Acelino Maia, ficava a oficina eletrônica de Gilvane de Gilberto Barbeiro, fui até lá. Ele me olhou assim meio incrédulo e disse.

- Zé Claudo!!! Nunca imaginei que um dia fosse ver você gordo.

Gilvane é um cara de mente matemática, extremamente inteligente, tudo pra ele é calculo medido e pesado. Nossos pais foram vizinhos e boa parte da minha infância foi na casa dele aproveitando um velocípede bandeirante que ele tinha ganhado do pai.

Perguntou onde eu estava, disse que ia ficar lá em Tio Doca. Então ele me falou.

- Faço questão que você fique lá em casa, fiz um apartamento no quintal, lá ninguém incomoda a gente e a gente também não incomoda ninguém.

Já passava de meio dia, ele fechou a eletrônica, pediu pro seu irmão Gigi levar minhas coisas pro apartamento, pegamos uma mesa no bar do Zé Maria e haja conversa e cerveja.

Já se aproximando às treze horas, Gigi volta e diz que a mãe tava chamando pra almoçar.

Não nos fizemos de rogado, pagamos a conta e fomos atender o matriarcal chamado.

Quando me viu, Dona Rita, me abraçou e disse.

- Gigi falou que Gilvane tava bebendo com um amigo, eu nem sequer imaginei que fosse você! Como vai Gercina e Vilemar? Seus irmãos tão bem e gordos como você?

Relembramos, atualizamos e almoçamos, com todos os irmãos presentes à mesa, senti a falta de Ginaldo, que trabalhava como motorista de caminhão e estava viajando, alguns deles eu tinha visto ainda bebê me chamou a atenção a pré-adolescente magricela e feia com cara de Camila Pitanga e um sinal de nascença bem no meio da sobrancelha esquerda.

Depois do almoço não teve conversa que segurasse o sono de Gilvane, foi armada uma rede no apartamento e fui convidado a me deitar nela.

Acordei já beirando as dezoito horas, tomei banho troquei de roupa e fui pra eletrônica, Gilvane tava concluindo uns trabalhos, esperei e quando ele acabou disse.

- Zé Claudo, o que não falta em Tabuleiro é bar, podemos ficar aqui no Zé Maria ou sair por aí.

Então eu disse.

- Tenho que ver uns parentes e podemos aproveitar que Minha prima Marluce abriu um bar pros lados da Vila de Zé Mendes, passamos lá pra eu dar um abraço e depois a gente procura algum forró.

Ele concordou e nos pomos a caminho abastecendo a cada esquina. Chegamos sem dificuldade no bar da Marluce, só achei que andamos muito rápido, afinal três horas é pouco tempo pra andar um kilometro e meio. Já eram por volta das vinte e duas horas. Estavam no bar com Marluce, Marlete e uma moça que era sócia das duas nesse bar. Sentamos começamos a beber, Gilvane partindo pra cima de Marlete, eu relembrando com Marluce nosso namoro nos tempos da adolescência, que não fazia tanto tempo, chega um cliente bonequeiro querendo atenção e Marlete sai da mesa pra atender. Na minha inquietude, pergunto a Marluce se tinha algum forró pra gente ir dançar um pouco. Ela responde.

- Hoje não tem porque mataram um rapaz, alem de ser semana santa. Questionei na minha insensibilidade alcoólica.

- Quer dizer que na semana santa pode matar e dançar não pode? Gilvane que estava fazendo vela, dá a idéia.

- Hoje na Terciola tem forró, vamos lá? Olho pra Marluce e convido.

-Vamos Marluce, só assim a gente relembra nossos tempos de Telhoça. No que ela responde.

- Posso não, alem de não andar lá, tenho que tomar conta do bar. Pagamos a conta, me despedi da Marluce com a promessa de que pela manhã passaria no tio Doca pra tomar a bença e fomos pro forró.

No caminho encontramos Sullivan Mauricio, todo mundo sabe que bêbado só quer companhia e o diabo adora juntar esse pessoal no mesmo lugar, acho que é pra ter menos trabalho na hora de tanger as almas pro inferno.

Arrastamos Sullivan pro forró.

Chegamos, sentamos, veio uma moça atender, mais cerveja, Sullivan se engraça com uma menina e fica com ela numa outra mesa, não tinha musica de forró, o repertório era de Evaldo Braga a Genival Santos, reconheci alguns rapazes, comecei a achar o ambiente esquisito.

A jovem que estava com Sullivan só podia estar bêbada, pois ficava sentando no colo de todo mundo.

Comecei a ver que as outras moças tinham a mesma atitude dela, levantei da mesa fui ao balcão onde tinha uma senhora jovem com medidas arredondadas, que deduzi ser a Terciola, proprietária do estabelecimento. Fiz a seguinte pergunta.

- Vem cá, qual é a dessas meninas? Ela responde apontando pras meninas.

- Meu filho, aquela, aquela e aquela, na hora que você quiser é só vir aqui pegar a chave do quarto, mas tá vendo aquela que tá de beijos com seu amigo? Olhei pra onde apontava o dedo e era o Sullivan se dando bem. Ela continua.

- Ela só vai pro quarto com alguém depois que se curar.

Fui onde estava o Gilvane e perguntei.

- Gilvane, isso aqui é um cabaré?

Ele responde.

- Vai bem dizer que não sabia?

Voltei pro balcão, conversei e bebi de testa com Terciola, que se mostrou uma senhora muito agradável. Vi que estava chegando ao limite da sensatez, pois já estava começando achar ela atraente. Mandei ela somar as cervejas que estavam na mesa com as que tínhamos bebido no balcão, pedi a conta, paguei e quando estava me despedindo, ela segura na minha munheca e diz.

- Você pagou sua conta que eu ajudei a fazer, agora vai ter que beber comigo por conta da casa.

Podia até tá embriagado, mais sabia que sair de lá depois de um convite desses seria uma ofensa imperdoável. Fiquei, passei pro lado de dentro do balcão, aí já estava eu mesmo pegando a cerveja no frizzer. Terciola do lado de dentro, sem a barreira do balcão ficou mais atraente. Aí a embriaguez falou mais alto do que o pudor e a coisa foi ficando quente, com a gente se beijando ardentemente. De repente me vem aquele lampejo de sobriedade, esse sempre acontece comigo antes de fazer uma grande merda. Pedi desculpas, pois já estava amanhecendo o dia e tinha uns compromissos a cumprir, ela aceita e diz.

- Só vou deixar você ir, porque meu macho tá dormindo no meu quarto e tenho que acordar ele agora e arrumar suas coisas pra ele viajar. Mas venha hoje a noite que vou te dar prazer como nunca mulher nenhuma te deu até hoje.

Despeço-me com um beijo, procuro e não encontro o Gilvane, chamo Sullivan e vamos caminhando pelas ruas de Tabuleiro ao nascer do sol...

Nunca mais vi Terciola...

Foi a primeira e ultima vez que entrei num cabaré!!!

Claudo Ferreira
Enviado por Claudo Ferreira em 09/04/2020
Código do texto: T6911182
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