OLHA O BREQUE!

             O alcoolismo — assim como todas as outras formas de dependência química — é uma doença grave e tormentosa. Não só para os próprios dependentes, como para as suas famílias e amigos com os quais convivem mais frequentemente. A diferença das bebidas alcoólicas para as demais substâncias que também criam algum tipo de dependência é que elas (as bebidas), com algumas poucas restrições, são legalmente permitidas e socialmente toleradas.
 

            Exceto nas situações em que o seu uso excessivo acaba dando causa à prática de crimes, os alcoolistas — os cachaceiros, os ébrios, os etilistas, os bebuns, os biriteiros, os beberrotes, ou qualquer outro nome que se lhes queira dar — costumam ser motivo de diversão e pilhéria, para os amigos e conhecidos.
 
            O fato inegável é que algumas pessoas, sob o efeito do álcool, costumam dizer e fazer coisas muito engraçadas. Porque a ingestão das bebidas alcoólicas provoca nelas uma evidente neutralização dos seus mecanismos de autocensura. Assim, se o pileque for ocasional e não o resultado de uma dependência, os bêbados realmente são, em alguns casos, divertidos demais.

            Segundo uma conhecida classificação de botequim, os bebuns se dividem em três categorias:
            A dos “leões”, aqueles que ficam agressivos, durante a bebedeira, que provocam confusão e querem brigar, a propósito de qualquer coisa. São insuportáveis!

         A dos “porcos”, que caem da cadeira ou debruçam sobre a mesa, escornados pela tristeza, pelo arrependimento ou por ambos. São os que choram e se lamuriam, por alguma frustração: pelo relacionamento que se acabou, pelos amores incompreendidos, pelos chifres que levaram ou por outra coisa qualquer. Mas, quase sempre, tem mulher no meio.

          E a dos “macacos”, que são os mais divertidos, fazendo e dizendo coisas pândegas, que levam todo mundo a rir, mas os matam de vergonha durante a ressaca, quando alguém lhes conta sobre o papel ridículo que fizeram na noite anterior.

            Só que, às vezes e não raras vezes, os beberrões deste último tipo provocam ou se metem em confusões monumentais, exatamente porque os “destilados e fermentados” removem deles, por completo, a noção de limite e conveniência. E foi o que aconteceu com o pai de um conhecido meu, que trabalhava numa emissora de rádio e, nas horas vagas, por prazer e para complementar o orçamento, tocava cavaquinho num conjunto musical — um “regional”, como se dizia naqueles tempos — nesses bailes de interior e periferia.

            Pois enquanto tocava, como é comum acontecer, a turma do conjunto “entornava o barril”, para melhor aguentar a “puxada” da noite. Inclusive ele, que sustentava o ritmo no “cavaco”, bem na frente do palco (às vezes, não mais do que um tablado) para que os frequentadores do ambiente exibissem suas qualidades como dançarinos. Tudo com muito respeito, numa época em que ainda não havia “rave”, baile funk e nem “trenzinho”.


            Até que, certo dia, alguém contratou o “regional” para tocar num lugar que o grupo ainda não conhecia. Mas, como se diz em Minas, “cachorro perdido não caça caminho”, do mesmo modo que, quem está precisando, não enjeita serviço. E lá se foram eles, para mais uma noite de trabalho.  
            Por algum motivo, que não sei bem qual foi, nessa festa os músicos abusaram da bebida e a carraspana foi geral! De tal forma que, a certa altura, o desempenho do regional já não estava grande coisa, mas o povo da comunidade continuava dançando no salão, com o som ajustado para o volume máximo.

            Foi quando o pai do meu colega, cujo microfone ficava bem na altura do cavaquinho, completamente bêbado e se aproveitando de uma virada da música, gritou para o público:
              — OLHA O BREQUE!!!

            E, ato contínuo, virou-se de costas para o público e, apontando bem na direção do microfone, disparou um sonoro “pum”, que foi amplificado pelas caixas de som espalhadas no ambiente.

       Mais rápido do que “imediatamente” o baile foi interrompido e, logo em seguida, a primeira garrafa chegou voando ao palco, seguida por outras, além de copos e pratinhos, enquanto os músicos da noite eram postos para fora do salão, pelo contratante, que, aliás, era um líder comunitário na área.

           Não receberam o cachê pela noite de trabalho e ainda foram avisados de que nunca mais dessem as caras naquela comunidade. A não ser que quisessem comer capim pela raiz. Só para se ter uma ideia do tamanho da desconsideração e da ofensa!


Ilustração: Google Imagens.