O FOFOQUEIRO
 
            Há maneiras e maneiras de dizer certas coisas. Mas o refinamento, ao dizê-las, não é algo que qualquer um domine ou uma habilidade que todos possuam. E isso, para ser bem claro, não depende de classe social ou grau de instrução.

            Existem pessoas que não têm a mínima sutileza quando tangenciam determinados temas e, sendo assim, criam grandes constrangimentos para os circunstantes e, às vezes, para si mesmas, pela forma tosca como abordam certos assuntos ou fazem determinadas afirmações.

            Foi o que me veio à lembrança quando o Bolsonaro — sendo pouco ou nada sutil, como é — a propósito da exoneração de um ministro, fez menção a algumas questões constrangedoras, principalmente para a sua própria família.          
            Seus fãs incondicionais, seus assessores mais próximos e a sua militância mais fiel costumam justificar a verborragia incontrolável do presidente brasileiro como sendo uma evidência de sua espontaneidade e sinceridade. Mas, neste caso, o questionamento não se refere ao conteúdo do que diz, mas à sua forma de dizer.

            Foi o que fez, pondo uma saia justa nos presentes e expondo algo que não tinha nenhuma relação com as tensões do momento, ao declarar, sem qualquer necessidade, três coisas embaraçosas para o seu clã: que a avó da primeira dama era traficante; que a sua sogra tinha sido apanhada numa falcatrua de falsidade ideológica e que o Renan, filho mais novo, ao qual ele se referiu como o 04, já havia “pegado” metade das mulheres do condomínio onde a família reside, no Rio de Janeiro.

            Vão vendo só o tamanho da falta de noção! É o que acontece com quem fala por impulso e fala mais do que deve. Bem ao contrário do que aconteceu no interior do Ceará, ainda numa época em que a perda da virgindade, para uma moça criada dentro de padrões morais rígidos, era um problema complicado de contornar. Sobretudo, se disso não resultasse um casamento e, mais adiante, a deflorada encontrasse outro pretendente. Porque precisaria explicar a ele — e que revelação difícil! — o que, muitas vezes, nem a própria família da moça ainda sabia.

            Era isso ou o risco de sofrer a invalidação do seu matrimônio, pela iniciativa de um noivo injuriado e com aquele sentimento de “corno a priori”, no dia seguinte ao da noite de núpcias. Porque estava em vigor no Brasil um Código Civil prá lá de machista, que relacionava essa hipótese como uma das possibilidades para a anulação de um casamento.

            Pois foi justamente o que, segundo o que ouvi de um tio meu, teria ocorrido no interior do Ceará, nas núpcias do filho de um fazendeiro com a filha de outro, ambos ricos e politicamente importantes na região em que se deu a quizumba.

            O pai da noiva garantia que o autor da façanha teria sido o próprio noivo, enquanto o pai deste se apegava à afirmativa de que a moça já estava com alguns quilômetros rodados ao sair da garagem, que já ultrapassara na faixa contínua, sem ligar a sinaleira e sem haver notificado o futuro marido de que já estava com alguns pontos perdidos na carteira.

            Estabelecida a impossibilidade de conciliação ou reconciliação do casal, foi o assunto bater na mão do juiz da comarca, as partes constituíram seus respectivos defensores e testemunhas foram arroladas. Entre elas, um fofoqueiro local que, ainda na fase dos rumores, andara falando mais do que devia e dando palpites acerca do assunto. E, como nada se esconde numa cidade pequena, o boquirroto acabou sendo intimado a depor no complicado processo.

            Só que, na hora da sua oitiva, intimidado por estar perante o juiz — sendo assistido, de corpo presente, pelos pais da noiva e do noivo — e ainda avisado pelo julgador sobre as penas para o crime de perjúrio, procurou medir as palavras e não se comprometer por elas, ao responder as perguntas que lhe foram formuladas.

            Por isto, quando o meritíssimo lhe perguntou se conhecia o caso e o que tinha a dizer sobre o assunto, ele encurtou a resposta, aparentando não conhecer muito sobre a causa:
            — Sei que o rapaz e a moça estão querendo desfazer o casamento, não é isso?

            O juiz disse que sim, o motivo do processo era esse e, olhando diretamente para o depoente, acrescentou:
            — E você sabe qual é o motivo para eles estarem querendo isso?

            O lambisgoia se ajeitou na cadeira e, escolhendo as palavras com cuidado, disse assim, como quem não estava muito por dentro dos detalhes:
            — Bem, doutor, o que eu soube, mas só de ouvir falar mesmo, foi que na hora do “conseguimento” ele notou um “desfalcamento”.

            Não deixou de ser uma forma disfarçada de dizer as coisas. No entanto, sutilezas à parte, em determinadas situações, o melhor mesmo é lembrar-se daquele prudente conselho, que nos adverte: “as palavras são de prata, mas o silêncio é de ouro”! 


Ilustração: Google Imagens