MUNDINHA, A HEROÍNA BRASILEIRA

            O Brasil é uma república que insiste em coroar reis e rainhas. Já nomeamos um rei do futebol, um rei da juventude, o rei do carnaval, a rainha da bateria e por aí vai. Sem falar na necessidade, que é quase uma fixação no imaginário coletivo dos brasileiros, de consagrar heróis e heroínas nacionais, nem que sejam os participantes de um “reality show” prá lá de ultrapassado, que quase ninguém mais assiste.

            Se um time de futebol ganha um campeonato, o técnico é chamado de herói; se um jogador foi o artilheiro da copa, também; se o goleiro defendeu um pênalti decisivo, idem! Se um juiz mete uma sentença num político corrupto e ladrão, logo se transforma num herói nacional. E agora, com a pandemia que estamos enfrentando, primeiro, titularam médicos e enfermeiros como heróis. Depois, a consagração se estendeu aos demais profissionais da saúde: fisioterapeutas, nutricionistas, psicólogos e farmacêuticos.

            Mas também temos os profissionais da segurança e defesa civil, que estão trabalhando, porque a sua atividade igualmente é tida como essencial. E os que trabalham no comércio de alimentos e gêneros, incluindo os motoboys, entregadores, motoristas de taxi, de transporte por aplicativo e, por fim, os coveiros? Todos passaram a ser apontados como heróis nacionais.

            Essa compulsão que há por aqui de se transformar pessoas em ícones — por maiores motivos ou menores razões — tem um espectro amplo. Vai desde os valorosos bombeiros que atuaram bravamente, com um desvelo incansável, na tragédia de Brumadinho até o estudante, de alma boa e coração generoso, que carregou uma velhinha no colo, para atravessar uma rua tomada pela água, num dia de chuvas intensas. Mas uma coisa é a compreensão do valor e a gratidão que se deve ter por quem faça um trabalho essencial em benefício da coletividade. Outra é sair distribuindo títulos de nobreza por aí.

            O problema não está no reconhecimento dos méritos, que devem mesmo ser reconhecidos e aplaudidos. Está na classificação! Heroísmo é um atributo excepcional, que leva alguém a praticar ações extraordinárias, pondo em risco a sua integridade ou, talvez, a própria a vida. Portanto, nem todos os atos de coragem, dedicação e solidariedade podem ser considerados heroicos, mesmo que traduzam uma conduta de enorme valor moral e solidariedade humana.

            Mas se é para relativizar o sentido da palavra, a heroína de todos os homens, então, deveria ser a dona Francisca Raimunda Pereira da Silva, uma humilde costureira de Tamboril, no Estado do Ceará, que teria completado 100 anos de idade, se não houvesse morrido em 2001. E o que fez a dona Mundinha, de tão especial? Para conhecimento de todos e maior glória da falecida, reproduzo aqui, sobre ela, o que me contou um amigo, com o intuito de homenageá-la.

           Quando os botões das calças masculinas começaram a ser substituídos pelos zíperes, a partir das décadas de 1960 e 1970, muitos homens, adolescentes e meninos passaram pela desagradável e dolorosa experiência de, ao abrir ou fechar a braguilha, prender aquela pele fina, que sobeja de suas protuberâncias, no desgraçado do “fecho éclair”.

            Pensem numa dor lancinante — tanto prendendo, quanto tentando se livrar daquela “grampeada” — que já fez muito marmanjo verter lágrimas sinceras e acabar indo parar num pronto-socorro, sem o que não teria conseguido resolver o problema. Pois é neste ponto que a dona Mundinha, que era analfabeta, mas não era burra, entra na história.

            Ela teve a ideia de colocar um pedaço de tecido entre o zíper e a parte interna da calça de seu marido, o Anastácio, que, por causa de uma “caxumba que desceu”, ficou com as formas desproporcionais, naquela região situada, mais ou menos, no Triângulo Mineiro, se for tomado o mapa do Brasil como referência. E que, por isso mesmo, sofria desses acidentes de “grampeamento dos países baixos” com insuportável frequência. Um problema que foi resolvido com a simples e genial ideia de dona Mundinha.

            A notícia correu pela cidade e logo começaram a chegar encomendas de todo lado. Primeiro da cidade, depois do Estado e, finalmente, do restante do país. Mas ela, sendo pobre e ignorante como era, não patenteou a sua criação, que foi copiada até pelos estilistas no exterior.

            Assim, acabou esquecida, de acordo com o escritor e pesquisador Pedro Salgueiro, que foi quem resgatou essa história, segundo disse o Antônio Carlos Klein, de cuja narrativa retirei as informações para traçar estas linhas, cuja veracidade não tenho como garantir por meus próprios meios.

            Mas essa, sim, é que foi uma verdadeira heroína! Porque salvou os homens de muito sofrimento e as jovens namoradas, de situações bem constrangedoras. Apesar do que, tudo quanto ela ganhou foi o escárnio e a fuleragem de um magote de desocupados de Tamboril, de quem recebeu a nada respeitosa alcunha de “Mundinha do Zíper” ou “Mundinha Salva-rola”.

            E tem graça tratar uma heroína brasileira desse jeito?!


Ilustração: Google Imagens