UM TANGO PRÁ LÁ DE COMPLICADO

             Alguém me mandou, num dia desses, um vídeo no qual um casal de argentinos estava dançando um tango. Até aí, nenhuma novidade, porque isso é o mesmo que dizer: recebi um vídeo de um baiano comento um acarajé. Ou, então, recebi um vídeo de uns mineiros tomando cachaça! Seria, apenas, o mais do mesmo de sempre.
 
           Porém, o que havia de diferente nesse vídeo era o fato de o casal estar fazendo aquela coreografia do tango — com as pernadas e os volteios de costume — não numa pista de dança comum, mas sobre a pequena mesa de um café, bar ou coisa parecida. E foi isso o que me fez assistir a apresentação até o fim.
 
            Menos pelo virtuosismo dos dançarinos, limitados em passos e movimentos pela pequeníssima área que escolheram para misturar a dança com o equilibrismo; mas para ver os dois despencarem lá de cima, o que, a meu ver, seria o inevitável “gran finale” do exibicionismo portenho. Não aconteceu nenhum acidente, felizmente. Mesmo assim, fiquei imaginando o que leva certas pessoas a preferirem sempre a forma mais difícil ou mais complicada de fazer as coisas.
 
          É sério! Já conheci vários desses tipos e até trabalhei com um deles, ainda na época das máquinas de datilografia, em que as cópias dos documentos eram feitas com papel carbono. Fazia o seu trabalho sempre com uma via a mais, que levava para um arquivo de sua casa, onde guardava cópia de qualquer coisa que fizesse na repartição, embora fossem meros boletins estatísticos, que a pouca gente interessava.
           
          Tem desses, mas tem piores do que esses! Como aquele bancário, de uma velha narrativa nordestina, tipo estranhíssimo, que, podendo complicar, não facilitava, mesmo nas coisas mais simples e rotineiras! Talvez por ironia do destino, chamava-se Simplício. Nunca vi nome mais inadequado, para alguém tão pouco simples.

            Quando precisava descartar alguma coisa numa cesta de papéis, que ficava bem do lado direito de sua mesa, ele se levantava pela esquerda, passava pela frente da escrivaninha e, só então, ao chegar no lado oposto é que jogava aquele documento inservível no lixo.
           
            Se alguém lhe pedia um grampeador emprestado, em lugar de, simplesmente, apanhá-lo na gaveta e estendê-lo até o colega, ele apanhava a ferramenta, dava duas voltas na cadeira giratória em que estava sentado, punha-se em pé e, só então, entregava o que o colega lhe pedira por empréstimo. Um verdadeiro ritual para tudo!
           
            Seus companheiros de trabalho, que muito se riam dessas maluquices, consideravam duas possibilidades, para explicar o estranho comportamento de Simplício: ou aquilo era algum tipo superstição ou era a manifestação avançada de um transtorno obsessivo-compulsivo. Até que um deles se animou a abordá-lo acerca do assunto. E, num final de expediente, estando apenas os dois, perguntou-lhe como se fosse uma curiosidade casual:
 
            — Cara, por que é que você sempre escolhe o método mais complicado para fazer as coisas? Isso não dificulta a sua vida, não?
 
           Como se não houvesse nada de estranho naquilo, Simplício explicou que durante muitos anos, quando viera do interior para estudar, residira na casa de um tio solteirão que era muito “metódico”, no seu modo de dizer. E que, assim, também acabara desenvolvendo alguns “critérios” para fazer as coisas. Mas que ele não via nada de estranho nisso e nem que dificultasse a sua vida.
 
         Com a curiosidade aguçada, o colega voltou a perguntar:
 
          — Desculpe a pergunta, mas sei que você tem um filho... Não quero entrar na sua intimidade, mas... Como é que “foi” para engravidar a sua mulher, então?
             — Bem - respondeu o complicado - foi numa rede.
           
         Com aquele ar de “tudo bem”, o curioso tentou arrematar a conversa, dizendo:
         — É... Na rede, pelo menos aqui no nordeste, é tranquilo...
 
            Mas foi aí que o Simplício, concluiu a informação:
            — Sei que é tranquilo... Mas só tem que foi em pé!
 
           Isso, sim, é que foi um “tango” prá deixar o casal com as pernas bambas! Dançar em cima de uma mesinha de quatro lugares, qualquer argentino consegue fazer...
 
Ilustração: Google Imagens.