O MISTER "UNDERLINE"

Quando conheci a tal criatura pomposa, logo no primeiro dia e digo foi algo de "supetão", só pela linguagem corporal já senti se tratar dessas criaturas que jamais assumiriam ter o "rei na barriga", imaginem, porque era ela a personificação incorrigível do próprio reinado ambulante.

De fato o todo se confirmaria.

Imponente, andava pelo escritório e pelas reuniões na maior estica dos Lords ingleses.

No "salto alto", como diriam os costumes das nossas bocas pequenas...

Tinha mania, aliás, de desfilar suas vestimentas todas trazidas das suas viagens internacionais e também o péssimo costume de desprestigiar tudo que era da sua terra.

E se insuflava ao recitar todas as etiquetas ilegíveis num bom português, as das grifes mais tradicionais do planeta.

Muitas vezes, pelas suas falas e desfiles, eu percebia que comprava e declamava seus "gatos por lebres", mas convenhamos, fica difícil , por mais que queiramos contribuir nos equívocos da moda, desbancar as poses inatingíveis dos consumismos consumados.

Colecionava gravatas de seda, nas padronagens mais bizarras, todas das grifes irrepreensíveis!

Eu gostava da do coelho Pernalonga porque ao menos via-se um pouco de lúdico naquela difícil ambientação.

Certa vez, depois duma reunião técnica , vi que alguém saíra da sala aos prantos.

Então, como acredito ser de bom tom do coleguismo cedermos nossos ouvidos às adversidades do meio, logo soube do que se tratava:

" eu me senti um nada nessa reunião, ele deu a entender-em público- que eu não deveria ter nascido!" dizia a secretária num rio de lágrimas.

"Calma"-todos recomendavam..."desgosto não faz bem para o coração"-argumentava alguém mais preocupado.

E dentre soluços aquíferos continuou a explicar o acontecido em torrente chorosa...e obviamente sem muitas necessárias perguntas para desabafar sua dor:

"eu não sabia o que era "underline", alguém saberia?"

"Underline?"-perguntei surpreendida.

"Sim, ele me pediu para digitar seu novo email e eu não sabia o que era essa tal de underline".

A notícia correu o edifício afora e não foi por vingança minha.

Não bastava tanto estrangeirismo pomposo nessa vida agora o tal Lord esnobava os funcionários até no email?

Aquilo era inaceitável mesmo!

Todo mundo comentava o caso desrespeitoso da tal secretária e sua desconhecida e desalinhada Underline: desde o porteiro até a hierarquia mais alta da instituição.

"Quem fez isso, foi o Lord, não foi?" perguntava um.

"Claro, tinha que ser ele, quem mais colocaria "underline" no seu email pessoal?" Isso não é nada logístico!

"Só o Mister Lord Underline, mesmo!"-concluiu alguém mais revoltado.

O apelido correu o mundo. De dentro e de fora.

Certo dia, esquecido das chaves, tentando adentrar o edifício pela portaria, o Lord foi interceptado pelo novo porteiro a lhe perguntar de quem se tratava.

Foi um "Deus nos acuda"!

O Mister jamais admitiria não ser reconhecido em toda aquela sua suntuosa nobreza...pra lá de nobre!

Assim que se identificou todo pomposo como o "dono" da empresa, o porteiro logo tratou de confirmar se era verdade.

"Triiim"...soou o interfone no escritório.

"Ah, sim, é ele mesmo, é o nosso Mister...claro, pode abrir os portões sim!" confirmou o funcionário da sala.

E o cuidadoso e eficiente porteiro, que ainda não o conhecia no "under" âmago das suas entrelinhas, tratou de confirmar a identidade mais uma vez depois de lhe sacar uma corriqueira foto para o seguro registro de entrada:

"O senhor é o tal do MISTER UNDERLINE, confere?"

Nem preciso explicar como ficamos sabendo do causo...

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