GRANDE COISA!

         No curso dessa pandemia, vejo todo mundo preocupado com o número de leitos disponíveis nos hospitais e nas UTIs, com o número de respiradores disponíveis, com o estoque disponível de luvas, máscaras e álcool em gel (essa parte, já equacionada), mas não vejo — na imprensa, nas redes sociais e nas entrevistas, de autoridades sanitárias e governantes — ninguém que demonstre preocupação com as vagas e leitos disponíveis nos asilos, clínicas ou instituições para o tratamento das doenças mentais e dos problemas emocionais.

            Isto é, no mínimo, um indício da imprevidência ou da incapacidade governamental de planejar a médio e longo prazo. Porque não há a menor dúvida de que, além dos problemas econômicos que iremos enfrentar, também virão os de natureza emocional ou mental, com maior ou menor gravidade, como sequela que o coronavírus haverá de deixar para a nossa, assim como para outras sociedades.

          Ainda nem chegamos a esse momento, mas é perceptível uma alteração no comportamento de algumas pessoas, resultante do isolamento ou distanciamento social. A quarentena já está produzindo seus efeitos nessa área. Em alguns casos, mais brandos; noutros, num nível de angústia que um especialista, talvez, pudesse classificar como patológico.

            Até eu, que não sou dessa praia, posso arriscar um palpite: irá aumentar e muito o índice da chamada “síndrome de pânico”, depois que a pandemia da COVID-19 houver passado. Porque o estresse de algumas pessoas em relação a isso, já ultrapassa o patamar da responsabilidade e dos cuidados com a prevenção que todos nós precisamos ter em relação a isso.

            Conheço uma família que se isolou numa casa de praia — uma praia que deve estar quase deserta nesta época do ano — desde o começo de março, quando a curva das estatísticas sobre a contaminação e os óbitos começou a se elevar. De vez em quando um ou dois deles aparecem por aqui, para buscar ou deixar alguma coisa em casa. Mas o estresse é visível: com máscaras, luvas e gritando, uns com os outros que não toquem nas paredes e que se afastem das portas dos outros apartamentos, verdadeiramente paranoicos.

            Num problema dessa magnitude, todo cuidado é pouco. Só que manter a sanidade mental, também é. Ou acabaremos todos hospedados em algum hospício, o que poderá ser trágico ou não, dependendo do ângulo pelo qual se analise a situação. Por minha vontade, caso necessite de uma medida extrema como essa ao final da pandemia, eu só peço que me internem em alguma instituição que seja como a daquela história que me contaram certa vez.

            Era um lugar tranquilo, sem grandes tensões, onde os internos conviviam bem, uns com os outros, e passavam a maior parte do tempo juntos, nos ambientes de uso coletivo. Pois os homens estavam, certo dia, entregues a uma brincadeira que consistia em correr até uma parede, na qual cada qual tentava deixar a marca do próprio pé, mais alta do que a dos demais. E a brincadeira causava risadas e aplausos, quando apareceu uma interna da ala feminina, dizendo que também queria participar da brincadeira.

            Alguns protestaram, dizendo que não podia, que a brincadeira era só deles, coisas e loisas, até que um dos caras teve a ideia: que a deixassem fazer a sua tentativa, que não daria mesmo em nada e ela logo iria embora. Assim foi feito e a criatura, favorecida por uma saia rodada, que não lhe tolhia os movimentos, tomou distância, deu uma carreira e cravou a marca de seu pé bem lá no alto, acima de todas as demais.

            Foi uma surpresa geral e um dos internos disse para o outro:
           — Você viu aí, a altura onde ela botou o pé?! Você viu?!
            Ao que o outro, desdenhando do feito, respondeu:
       — Vi sim! Mas, também, você viu o tamanho da “dobradiça” que ela tem?!

            Com certeza, não achou que aquilo fosse lá uma grande coisa, para quem tinha uma coisa tão grande... Pois um homem desses, com essa capacidade de racionalização, já deveria era ter recebido alta da internação. E nem haveria de se estressar por causa de uma reles pandemia.


Ilustração: Google Imagens