FAMÍLIA BEM CRIATIVA

            O sujeito era um desses tipos maçantes que adoram ficar explicando a própria genealogia e gabando a própria família, sem que ninguém tenha lhe perguntado ou esteja interessado em saber daquilo.

        Porque, como sabem os que têm algum “desconfiômetro”, essas histórias de família são muito pitorescas ou divertidas, mas apenas em três circunstâncias: para os próprios membros daquela "linhagem", quando algum amigo ou conhecido demonstra curiosidade sobre o assunto ou, em especial, quando o fato a ser narrado é verdadeiramente engraçado e serve para fazer rirem os ouvintes.

            No mais, não importa, para quem não é da família, saber se a avó do cidadão plantava bananeira aos oitenta anos de idade ou se ele tem um primo que consegue morder a própria orelha (o que se explica pelo fato de o tal usar uma dentadura dupla).

            São coisas que, fora do contexto, não fazem a menor diferença e que a ninguém interessa ouvir, exceto os próprios familiares. Mas há quem goste de contá-los, como se, para os outros, aquilo fosse a coisa mais importante do mundo também.

               Pois bem; assim o tal "chato de galocha". Orgulhoso de suas raízes — que era descendente de italianos — ele tinha a equivocada convicção de que a Itália e, mais ainda, os membros de sua família seriam temas de especial significado para todos, em qualquer conversa ou reunião de que participasse. Se o assunto era comida, então, ele acabava encontrando um meio de enfiar os seus parentes no assunto.

            Alguém dizia:
            — A pizza de que eu mais gosto é a "Calabresa"... 
            Aí, o chato imediatamente atalhava:
            — Essa receita foi criada por um tio-avô meu, que era da Calábria.

            Mas, se alguém contrapunha a sua preferência no cardápio das pizzas, dizendo que preferia aquela que vem com bacon e cogumelo, conhecida como "Siciliana", era o bastante para o "sem noção" emendar:

           — Pois a receita desta também foi inventada por um primo do meu pai, que nasceu e viveu na Sicília!

            A cada uma dessas intervenções — arguindo a criação e autoria de molhos e receitas para os seus familiares — os que conviviam com ele ficavam mais impacientes e, de certa forma, também duvidavam da veracidade daquilo. Mas o tipo queria, à toda força, que a gastronomia italiana tivesse alguma ligação com a sua parentela.

       Por isso, seus comentários provocavam olhares entrecruzados e uma expressão de descrédito estampada na fisionomia dos presentes, como se dissessem, uns aos outros: lá vem ele, com esse "papo furado" de novo!

            E sendo a coisa deste jeito, certo dia, depois do futebol sem compromisso, que a turma costumava jogar nas tardes de sábado, regado com muita cerveja e outros aperitivos, não se sabe por conta do quê, começou a rolar um papo sobre comida. O que foi, sem nenhum duplo sentido, um "prato cheio" para que o enjoado fizesse aquelas intervenções de costume.

            Se alguém mencionava uma "Lasanha à Bolonhesa", ele logo dizia:
            — Esse molho foi inventado por um tio-bisavô meu, que morava na Bolonha!
            E se outro admitia a sua preferência por um “medalhão com arroz à piemontesa", ele se apressava em acrescentar:
            — Pois fiquem sabendo que esse arroz também foi inventado por um ancestral meu, que viveu muito tempo na região do Piemonte, que fica no Norte da Itália.

            Todo mundo de saco cheio com o sujeito e aquela mania besta de atribuir à própria família grande parte da gastronomia italiana! Mas ele não percebia e nem se tocava!  Foi quando alguém mencionou uma comida diferente, que levava um tal molho "pesto genovese". E quando ele mal começou atribuir a autoria desse molho a algum dos seus familiares, de Gênova, foi interrompido por alguém do grupo — que já havia bebido todas — e lhe perguntou, com a voz enrolada:

            — Essa sua família é bem criativa, né? Mas me diz aqui uma coisa: quem criou aquele "Spaghetti alla Puttanesca" foi sua mãe, sua irmã ou sua avó?

            A risadaria foi grande demais. Quanto ao chato, apenas se levantou, foi embora sem dizer nenhuma palavra e nunca mais voltou a participar daqueles encontros semanais. O que, aliás, nenhum dos outros pareceu lamentar. Caramba, que criatura mais enfadonha!


Ilustração: Google Imagens.