CRISE E CRIATIVIDADE

            Dizem, que, em algum idioma por aí — parece que no Mandarim, que é falado na maior parte do norte e sudoeste da China — usa-se a mesma palavra para um duplo significado: crise e criatividade. Não posso afirmar que isso seja verdade, mas posso dizer que já ouvi contar sobre isso diversas vezes.

            Mas, sendo ou não sendo verdade, o que não se pode negar é que as crises, efetivamente, põem à prova ou instigam a criatividade das pessoas. E a história da humanidade está repleta de momentos ou episódios em que este fato se comprovou. As viagens espaciais trazem muitos exemplos disso e um dos mais dramáticos é o do voo quase trágico da Apolo 13, que todos conhecem, porque já foi contada e recontada em filmes e seriados.

            Depois da bem sucedida viagem da Apolo 11 à Lua, essa missão, literalmente, explodiu, junto com um tanque de oxigênio, essencial para que os astronautas Jim Lovell, John Swigert e Fred Haise chegassem até o seu destino e que de lá retornassem em segurança. Isto é, com a frágil segurança daqueles tempos da corrida espacial entre os Estados Unidos e a União Soviética.

            Só que 56 horas depois da decolagem as coisas saíram do controle. Um curto circuito no ventilador do tanque de oxigênio provocou uma explosão nesse compartimento. E o efeito foi tão intenso que acabou atingindo também parte do módulo onde se encontravam os astronautas, 
causando a despressurização da cabine.

            Mas indo direto ao ponto, as chances de que a tripulação não conseguisse retornar à Terra eram quase absolutas. Então, todos os técnicos, especialistas, engenheiros e diversos pilotos da NASA, envolvidos com a missão, montaram uma verdadeira operação de guerra no Centro Espacial de Houston, para refazer os cálculos e o traçado desse voo, enquanto diversas equipes trabalhavam em busca de soluções que garantissem a sobrevivência dos três astronautas que estavam no espaço, para trazê-los de volta.


            Foram dias de desespero e agonia, mas o fato é que — improvisando equipamentos, apenas com os materiais e recursos que existiam a bordo da Apolo 13 — as equipes de suporte desenvolveram opções e alternativas, simplesmente impensáveis, para a sobrevivência dos viajantes. E isso foi o que garantiu o seu retorno à Terra.

            Esse é um histórico exemplo de como uma crise pode acionar a criatividade humana. Como estamos vendo agora, diante dessa pandemia, com diversos laboratórios e pesquisadores trabalhando de forma acelerada, em busca de uma vacina eficaz, para que o mundo consiga enfrentar tamanha crise sanitária, diante de um vírus que a ciência já conhecia, mas que ressurgiu com uma cepa modificada e muito mais virulenta.

            É verdade, porém, que nem toda crise tem o condão de despertar a imaginação criadora das pessoas. Porque há muita gente que, como se diz, ao jeito popular, é “meio fraca das ideias”. Pois isso me lembra duma história que o meu pai gostava de contar e que bem exemplifica esse problema de falta de criatividade, que caracteriza algumas pessoas.

         Trata-se do caso de um jovem que, num período de crise para o comércio, conseguiu empregar-se numa casa de materiais de ferragens e ferramentas, na vaga deixada por outro, que adoecera e precisara se afastar. O dono do estabelecimento deu-lhe as explicações necessárias para que ele pudesse fazer o atendimento de balcão, mas ficou observando o seu jeito de lidar com o público, para ver se aquilo iria dar certo.

            Foi quando entrou o primeiro potencial comprador, procurando por uns pregos:
            — Camarada, me veja aí meio quilo de pregos 15 por 18, por favor.


            O jumentinho foi lá na prateleira onde ficavam os pregos, em caixas separados pelo tamanho. E de lá mesmo gritou para o freguês: “Desse tamanho não tem não!”.

            O sujeito saiu de porta afora, antes que o lojista pudesse chegar ao balcão e aí, meio irritado, passou uma descompostura no empregado:

            — Rapaz, desse jeito você me arrebenta com a freguesia! Quando alguém procurar uma coisa que não tivermos em estoque, você diz que não tem, mas oferece outra coisa no lugar daquela! Por exemplo, neste caso: nós não temos essa medida de prego, mas temos um parafuso, mais ou menos com a mesma bitola, que pode até ser vantajoso, porque fixa melhor e pode ser retirado, caso precise desmontar a peça.

            O balconista pediu desculpas ao dono da loja, dizendo que havia entendido qual era a maneira certa de lidar com a situação. Pouco depois, entrou outro potencial comprador no estabelecimento. Por engano, certamente, porque o que ele procurava, não tinha nada a ver com a especialidade da loja:
            — Amigão, você tem papel higiênico aí?


          Dessa vez, porém, o jovem empregado seguiu à risca as recomendações que o patrão lhe dera:
            — Papel higiênico não temos, senhor... Mas temos lixa nº 2, rolo de arame farpado e lima de ferro, que talvez possam ajudar o senhor a resolver o problema...


            E aí está um bom exemplo de que nem toda crise incentiva a criatividade!

Ilustração: Google Imagens.